- Primeiro, ele tentou entregar Portugal e parte do Brasil aos franceses. Depois, ofereceu Pernambuco aos holandeses. Em meio a essas tramas, buscou apoio financeiro junto aos judeus portugueses. Padre Antônio Vieira lutou com a espada de pena e com as flechas das palavras, que lançava dos púlpitos das igrejas para defender suas ideias e a soberania de D. João IV, de quem se tornou fiel escudeiro.Atuando em Paris e Amsterdam como uma espécie de ministro do exterior, entre 1646 e 1648, o jesuíta centralizou toda a ação diplomática portuguesa. No entanto, nunca recebeu qualquer documentação oficial nomeando-o para esta função ou determinando qual era sua missão no estrangeiro. Foi um embaixador secreto.A Restauração Portuguesa em 1640 colocou fim à União Ibérica e aclamou D. João IV como monarca de Portugal no lugar de Felipe IV, rei da Espanha. A tarefa dos diplomatas portugueses não era nada fácil: tinham como objetivo obter o reconhecimento da nova dinastia pelos outros países europeus, estabelecer a paz com a Holanda e a devolução dos territórios lusitanos invadidos, como Pernambuco.Em 1645, as coisas tornaram-se mais complicadas para Portugal, e as negociações pendiam para o fracasso. Enfurecidos com a revolta pernambucana iniciada em agosto daquele ano, os holandeses endureceram. A Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648) entre Holanda e Espanha aproximava-se do fim, com a independência holandesa do domínio espanhol. O apocalipse português e a derrota de D. João IV esboçavam-se no horizonte com cores fortes e traços pouco definidos, em meio ao emaranhado de alianças e acordos que poderiam surgir entre os principais Estados da Europa naquele momento. O rei português não tinha muitas cartas em sua mão. Acabou convencido pelo padre Antonio Vieira a enviá-lo como diplomata secreto, com total poder para negociar e selar acordos em seu nome.A primeira missão aconteceu entre fevereiro e julho de 1646. Em Paris, Vieira encontrou-se com o primeiro-ministro, cardeal Mazarino, para tentar viabilizar uma aliança com os franceses, que faziam um jogo duplo entre apoiar Espanha e/ou Portugal. Por sua importância econômica e política, a França era vista como peça-chave para o sucesso do empenho diplomático, e poderia auxiliar os portugueses em uma possível guerra contra os espanhóis. No encontro com Mazarino, que havia estudado com os jesuítas em Roma, Vieira sondou sobre as possibilidades do casamento entre a infanta francesa, a Mademoiselle de Montpensier, Anne Marie d’Orléans, com o príncipe herdeiro de Portugal, D. Teodósio. Em Paris e depois na cidade litorânea de Rouen, o padre diplomata também se encontrou com a comunidade judaica portuguesa e negociou apoio financeiro por meio de empréstimos e investimentos para seu país.A liga formal com os franceses não foi possível: eles continuariam a fazer o jogo duplo entre os países ibéricos, esperando o melhor momento para se decidir. Da França, Vieira levou apenas o apoio da comunidade portuguesa-judaica. Em abril, partiu rumo à Holanda, onde permaneceu por três meses. Não alcançou sucesso nas conversas com as autoridades, mas firmou novos contatos com a comunidade de judeus de Amsterdam, onde conseguiu estabelecer negócios e obter promessas importantes de ajuda financeira. Vieira sabia da importância do capital judaico para o país que representava: não tinha dúvidas de que os problemas econômicos internos somente seriam solucionados com a criação e o fortalecimento de uma classe de comerciantes e negociantes.Diferentemente de Paris, onde manteve o uso do hábito religioso e a tonsura (topo da cabeça raspado), na Holanda, terra de calvinistas, Antônio Vieira optou por utilizar, por prudência, roupas seculares, com direito a bigode e espada na cinta. Disfarçava assim qualquer sinal de religiosidade católica. Sua nova aparência foi tão convincente que ele chegou a receber propostas de casamento, fato que certamente o deixou lisonjeado, mas não o suficiente para abalar seu voto de castidade e deixar a ordem que tanto amava. Afinal, era um homem de fé, religioso, mesmo escondido pela faceta de embaixador.Ao retornar para Portugal, o jesuíta relatou detalhadamente a D. João IV toda a situação diplomática e política que se estabelecia na Europa. Vieira sabia que pouco poderia fazer naquele momento. Mesmo assim maquinou, confabulou e foi ao púlpito defender a nova dinastia e suas ideias para a vitória da causa lusitana. Do outro lado do Atlântico, a rebelião pernambucana avançava sob as vistas grossas e dissimuladas do rei, reduzindo o domínio holandês no nordeste do Brasil, essencialmente, às cidades de Olinda e Recife.Em 1647, pouco mais de um ano depois do seu regresso ao reino, o padre partiu novamente em missão diplomática a Paris e Amsterdam. Dessa vez, a missão não era assim tão secreta. Na França tentaria novamente, e a todo custo, uma aliança formal. Na Holanda, continuaria na busca pela paz definitiva entre os Estados, e compraria navios de guerra para a defesa de Portugal. Na capital francesa encontrou-se mais uma vez com o cardeal Mazarino e, depois, com Ana de Áustria, regente do trono. A eles fez uma oferta que considerava irrecusável, a fim de firmar de uma vez por todas a aliança entre os dois países: em acréscimo à união conjugal entre os infantes de Portugal e França, D. Teodósio e Anne Marie, agora o jesuíta propunha que Brasil e Portugal fossem entregues aos franceses.Sem dúvida, constrangedora e ousada, a ideia resumia-se basicamente ao fato de que, após o casamento, D. João IV abdicaria do reino português, exilando-se na América, onde seria rei do Grão Pará. D. Teodósio ficaria com Portugal e o Estado do Brasil, que compreendia o resto do território colonial, excluindo a parte ocupada pelos holandeses. Como D. Teodósio e Anne Marie eram jovens demais para assumir os tronos que herdariam, caberia aos franceses tocar a regência até a maioridade do príncipe.O casamento e a proposta de Vieira foram logo recusados. Os franceses tinham não apenas outros planos para a infanta, como também um questionamento: se D. João IV não era capaz de manter seu reino, como poderia um rei estrangeiro fazê-lo? Naufragava, assim, a primeira parte da segunda missão do diplomata. Sem se deixar abater pelo insucesso, Vieira seguiu para a Holanda, onde tomou uma posição mais ativa na negociação, dissimulando sobre a revolta pernambucana diante de seus interlocutores e criticando-a em cartas enviadas sobretudo ao rei. Ao mesmo tempo, aproximava-se ainda mais da comunidade judaica em busca de recursos. Chegou a frequentar a famosa sinagoga de Amsterdam, onde travou debates teológicos com o rabino Menasseh ben Israel, e começou a traçar planos para a volta dos judeus a Portugal, além de desenvolver suas ideias sobre o Quinto Império – profecia milenarista baseada no livro bíblico de Daniel, que trata dos cinco grandes impérios do mundo e que, no entender de Vieira, Portugal seria o quinto império escolhido por Deus.A jornada pela Holanda sofreu uma forte baixa com a prisão de Duarte da Silva em 1647. Ele era o principal apoiador financeiro de D. João IV e caiu nas malhas da Inquisição em um golpe de mestre do Inquisidor-mor D. Francisco de Castro, inimigo declarado do rei. No momento em que as notícias chegaram, o dinheiro sumiu. “Não há quem queira passar um vintém a Portugal”, reclamou Antonio Vieira em correspondência ao marquês de Niza. Foi um golpe duro e difícil de ser assimilado.Nos meses seguintes, o jesuíta buscou recobrar a confiança dos judeus e negociar a paz definitiva com os holandeses. Ao mesmo tempo, tentava evitar qualquer reação deles contra a rebelião pernambucana, que de fato restauraria o atual Nordeste devolvendo-o a Portugal. O final da jornada diplomática do padre Antônio Vieira foi coroado pelo famoso "Papel Forte", escrito em 1649 para o Conselho de Estado, no qual ele defendia a entrega de Pernambuco aos holandeses, justamente no momento em que era iminente a expulsão dos invasores do nordeste do Brasil. Vieira terminava derrotado em sua atuação como diplomata secreto. O "Papel Forte" se tornaria "Papel Fraco".Thiago Groh é autor da dissertação “A Política externa de D. João IV e o Padre Antonio Vieira: as negociações com os Países Baixos (1641-1648)”, (UFF, 2011).Saiba MaisAZEVEDO, João Lúcio de. História de Antônio Vieira. Prefácio Pedro Puntoni. São Paulo: Editora Alameda, 2008.VIEIRA, Antonio. Cartas. Organização e notas de João Lúcio de Azevedo. Prefácio de Alcir Pécora. Rio de Janeiro: Globo, 2008.MELLO, Evaldo Cabral de. O Negócio do Brasil: Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641-1669. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.VAINFAS, Ronaldo. Antônio Vieira: jesuíta do rei. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
Diplomata secreto
Thiago Groh