Em dia - Vieira total

Angélica Fontella

  • Fólio da História do Futuro, anexo ao processo inquisitorial de 1664. (Imagem: Divulgação)O filho de Cristóvão Vieira Ravasco e Maria de Azevedo chegou ainda menino ao Brasil, em 1614. Depois de apenas seis anos de vida passados em Lisboa (Portugal), Antônio Vieira (1608-1697) aportava na colônia para desenvolver suas vocações, trilhando um longo caminho rumo à notoriedade na oratória e na retórica. Quatro séculos depois – mais precisamente desde o dia 3 de dezembro de 2014 – todos os textos de um dos pilares da língua portuguesa moderna estão enfim compilados na íntegra e à disposição do público. 
     
    Para a conclusão dos 30 volumes da Obra Completa de Vieira, promovida pela Universidade de Lisboa, foram necessários aproximadamente 24 meses, 50 pesquisadores e um trabalho articulado entre universidades brasileiras e portuguesas.
     
    “Vieira é o que chamam de polígrafo no século XVII, pois escreveu em diversos gêneros. Pareceres, papéis diplomáticos, consultas eclesiásticas. E tudo foi revisto”, conta Adma Fadul Muhana, coordenadora do terceiro volume da parte profética da obra: Apologia das coisas profetizadas. A professora de literatura portuguesa da USP, que em 1994 já tinha lançado uma publicação sobre o assunto, e com o mesmo título, explica como foi voltar ao tema duas décadas depois: “Algumas coisas mudaram, então foi interessante retornar ao texto, introduzir outros dados, outros estudos... O texto pode até se manter, mas algumas interpretações se modificaram e isso pôde ser incorporado”.
     

    Conjunto publicado pela editora Círculo de Leitores, que lançou 10 mil exemplares por volume. (Imagem: Divulgação)

    Não é a primeira vez que se fala em “obra completa de Vieira”. Segundo Adma Muhana, desde a década de 1990 há esforços nessa direção. “Em vez de apostarmos numa pequena equipa, como aconteceu com os projetos anteriores, decidimos reunir mais de meia centena de investigadores e especialistas em estudos vieirinos e áreas afins, que aceitaram o desafio de trabalhar em conjunto”, orgulha-se José Eduardo Franco, diretor do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa e autor do projeto. Talvez inspirado pela rica retórica do pároco, Franco se esmera em descrever sua tortuosa missão: “Tivemos que enfrentar a Hidra da maledicência, o Minotauro das precedências e antecedências acadêmicas, a inércia dos bois de Gerião, o Leão dos (in)cumprimentos dos prazos, o cão dos que não tendo feito obra nem querendo que seja feita, tentaram que ela se não fizesse”.
     
    Nas quase 15 mil páginas, fica reforçada a impressão de que Vieira esteve presente em todos os mais importantes acontecimentos de sua época. Seu monumento escrito é o legado que traduz todo um século. E em bom português. 
     
    O próximo passo é o “Dicionário de Vieira”. Elaborado pela mesma equipe, está previsto para 2016. Alguma dúvida de que ele merece?