Cristóvão Colombo (1451-1506) ficou com a pulga atrás da orelha. Como era possível, pensou, que em pouco tempo houvesse tamanha mudança no céu? O genovês foi tomado por espanto e dúvida ao navegar entre os hemisférios Sul e Norte. E anotou tudo no diário de sua terceira viagem para a América, em 1498.
Os portugueses também pouco ou quase nada entenderam. Enquanto seus barcos se agitavam em alto-mar, eles podiam ver tudo, menos um sinal, qualquer sinal, de terra firme. A Estrela do Norte indicava a direção do polo setentrional. Mas quando cruzavam o Atlântico, na altura da linha do equador, não é que ela baixava cada vez mais na linha do horizonte? Baixava tanto que desaparecia, deixando os marinheiros sem pai nem mãe em pleno mar por absoluta falta de alguma referência que viesse lá de cima.
Enquanto os descobridores singravam os oceanos às cegas, em busca do novo mundo, o auxílio luxuoso de um conhecimento milenar foi determinante para as tripulações terem consciência de onde estavam e, mais importante, em que direção navegavam. Foi a Astrologia que apontou o Sol como saída para aquela situação excepcional. Primeiro, por se tratar do astro mais visível e luminoso. Depois, pela simplicidade de seu movimento, que poderia ser organizado no período de um ano. Finalmente, por poder ser visto nos dois hemisférios, ao contrário das estrelas.
Quem primeiro descreveu o método de localização solar, desenvolvido na costa brasileira, foi o cosmógrafo real João Faras, em 27 de abril de 1500. Ele ancorou na costa baiana com a frota de Pedro Álvares Cabral. Faras contou que, junto com dois pilotos, desceu em terra firme, de onde observou a posição do Sol, munido de um astrolábio. Ao obter a medição e consultar a tabela de sua declinação, constatou estar 17 graus afastado da linha do equador. A técnica foi chamada de “tomar a altura do Sol”.
Pela mudança da posição solar no céu no decorrer de um ano – fenômeno conhecido como “declinação do sol” –, a técnica de tomar sua altura se somava à antecipação do movimento solar apresentado em tabelas astronômicas. Essa compreensão foi fundamental para a navegação: garantiu a precisão na localização das expedições no ultramar.
Um estudo matemático sobre os movimentos e as posições dos corpos celestes também muito contribuiu para o avanço náutico, pois inspirou a construção de tabelas astronômicas consultadas por cosmógrafos nas regiões ultramarinas. Trata-se de O Grande Compêndio, também chamado de Almanaque Perpétuo, lançado em 1478 por Abraão Zacuto, astrólogo castelhano de ascendência judaica, que trabalhou na corte portuguesa.
Não resta dúvida de que o trabalho de Zacuto não faz qualquer alusão ao tema navegação. É notório que o Almanaque sempre esteve muito mais próximo dos estudos da Astrologia do que propriamente das técnicas de marinharia. Mas, ao tabular e organizar o movimento anual do Sol em um calendário que abrangeu o intervalo entre os anos 1473 e 1476, o autor certamente inspirou estudiosos portugueses da navegação. Foi com base em seus cálculos, que permitiram a ordenação do movimento solar e seu uso em períodos posteriores, que Portugal avançou significativamente nas questões náuticas. Os autores dos Guias Náuticos de Munique e de Évora, obras publicadas aproximadamente entre 1509 e 1516, beberam na fonte do astrólogo. Na versão castelhana do Almanaque, Zacuto abriu caminho para as eleições, prática astrológica que identificava, pela interpretação do espaço celeste, um período propício para a realização de algum objetivo.
GERALDO BARBOSA NETO é mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Saiba Mais - Bibliografia
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Uma luz sobre a navegação
Geraldo Barbosa Neto