Além da versão oficial

Vivi Fernandes de Lima

  • Imagem: FBNPrimeiro ela deu um tiro no namorado. Depois, sentou-se na cama e atirou no próprio peito. Os dois foram encontrados mortos na casa de praia dele, em Maceió, Alagoas, no dia 23 de junho de 1996. Esta é a versão da polícia alagoana. A princípio, fica fácil acreditar que se trata de um crime passional. Mas a desconfiança começa a surgir quando o namorado em questão é Paulo César Farias, o tesoureiro da campanha do ex-presidente Fernando Collor de Mello. O mesmo que deu nome a um dos maiores esquemas de corrupção da História do Brasil, o Esquema PC.

    Conforme a investigação avançava, as dúvidas aumentavam. No livro Morcegos negros, o jornalista Lucas Figueiredo aponta algumas falhas: o local do crime não foi preservado, não houve busca de resíduos de pólvora nas mãos dos seguranças – que dizem não ter ouvido os tiros –, e ainda por cima, o colchão onde o casal morreu foi queimado pela família de PC Farias. Estranho...
               
    Mas quem vai questionar a versão oficial? Muita gente. De boca em boca, as histórias de possíveis crimes políticos ganham fama. Quando João Pessoa (1978-1930) foi assassinado, muitos acreditaram que se tratava de um crime passional. A trama chegou a virar o filme Parahyba, Mulher Macho (1983), Tizuka Yamazaki. Mas pode não ter sido bem assim.
     

    Crimes duvidosos:

    João Pessoa: honra lavada vira revolução

    Pinheiro Machado: desequilíbrio motivado pela imprensa

    D. Pedro II: morte morrida?

    Tancredo Neves: Múltiplas causas mortis

     

    A morte do marechal Castelo Branco (1897-1967) num acidente aéreo no dia 18 de julho de 1967, quatro meses depois de ter deixado a Presidência, também deixou a população desconfiada. Os jornais descreviam detalhes do choque entre o avião de Castelo Branco e um jato da Força Aérea Brasileira. Logo a FAB! Segundo a Última Hora, a morte “foi causada por violenta pancada no pulmão, ao destroçar-se a aeronave nas proximidades de Mondubim, a seis quilômetros de Fortaleza”.

    O ex-presidente ia da fazenda da escritora e amiga Rachel de Queiroz (1910-2003), em Quixadá, para Fortaleza. Em 1991, em uma entrevista no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, Rachel deu um depoimento que deu um banho de água fria em quem achava que o choque entre os aviões tivesse sido um atentado. Segundo ela, Castelo Branco pediu ao piloto que passasse por cima da maior linha de distribuição de energia do São Francisco para ver os postes de alta tensão. O comandante ficou indeciso, mas atendeu ao pedido. “No instante em que eles atravessaram a linha, vinha uma formação de três jatos, e a ponta de um dos jatos pegou. De forma que o atentado seria impossível, tinham que adivinhar que o Castelo ia pedir, que o comandante não iria, depois cedeu, e que o jato iria coincidir naquela hora...”, contou a escritora. O relato se baseia no testemunho do único sobrevivente do acidente: o filho de Castelo Branco.
     

    Outros casos:

    João Goulart: ataque político, parada cardíaca

    Juscelino Kubitschek: viagem marcada, acidente planejado

    Elza Fernandes: traição ou ingenuidade?

    Carlos Lacerda: histórias mal contadas

    Para uns, depoimentos como esse confirmam a versão oficial; para outros, é apenas mais uma. Nunca se sabe ao certo onde nascem os boatos que formam uma teoria conspiratória. “Essa é uma característica que torna difícil a análise pelos historiadores”, diz o historiador Douglas Attila Marcelino. Mas será que esse gosto por teorias conspiratórias é inato? Para o psicanalista Benilton Bezerra Jr., essa preferência pela hipótese de atentados pode ser motivada por certa busca de sentido para os eventos. “Inscrever um crime numa trama ou narrativa política dá a ele um sentido maior, que ultrapassa o mero acidente. Nós somos seres de sentido, procuramos significado em tudo que nos acontece. Isto é um movimento natural nos humanos”, esclarece Bezerra Jr.

    O psicanalista chama atenção para o fato de que a própria História pode influenciar essa desconfiança em relação às versões oficiais. “Há muitos eventos e crimes provocados por interesses políticos que só se tornaram públicos muito tempo depois do acontecido. Desmentidos oficiais nunca são vistos, com boas razões, como critério de verdade. Na dúvida, melhor manter abertas as possibilidades”.