Se na passagem do século XIX para o XX o Brasil recebia imigrantes que traziam um vasto legado de técnica e cultura, a situação se inverteu na passagem para o século XXI. Embora nosso país continue a acolher – em menor escala do que os que saem do país – imigrantes de países da América do Sul, da Coreia e da África, há uma população considerável que vai para os Estados Unidos.
Foram divulgados, em alguns momentos com farta cobertura jornalística, a situação do imigrante brasileiro, as causas de sua saída do país e vários aspectos desse novo fenômeno da população. Essas reportagens mostraram, porém, os aspectos mais negativos dos novos fluxos migratórios, relacionados ao trabalho ilegal, à criminalidade e à discriminação sofrida em outros países. Esse quadro do imigrante brasileiro estava, em parte, relacionado ao fato de ele executar lá fora tarefas aquém da sua qualificação profissional. A imprensa americana noticiou outros aspectos mais positivos em relação ao imigrante brasileiro, como a sua disposição para o trabalho.
Não se conhece o número exato de brasileiros imigrantes no mundo. Uma das primeiras estimativas, a partir de estatísticas da Polícia Federal, dava conta de que cerca de 1,25 milhão de pessoas teriam deixado o país sem retorno entre 1985 e 1987, o que significava uma evasão de quase 1% da população. Hoje, o Itamaraty calcula esse número em pouco mais de três milhões. Nos Estados Unidos, o total de brasileiros seria de 1,28 milhão, ou 42% do total.
Os brasileiros se encontram espalhados por quase todas as regiões dos Estados Unidos, embora com grande predomínio naqueles locais que inicialmente os atraíram: Nova York, Boston e Miami. Minas Gerais, principalmente a região do Vale do Rio Doce, foi o berço dessas migrações para outros países, e ainda é o estado que mais exporta pessoas. Aos poucos, a emigração se espalhou pelas grandes, médias e até pequenas cidades de todo o país.
Um dos elementos da identidade desse grupo de imigrantes nos Estados Unidos se baseia no trabalho duro realizado no setor de serviços de baixa qualificação, também chamado de “mercado de trabalho secundário”. O brasileiro cavou ali seu espaço, aproveitando as oportunidades existentes num mercado de trabalho em expansão nos anos dourados da década de 1980 nos Estados Unidos. E lá enfrentou jornadas semelhantes às dos operários do início da Revolução Industrial na Inglaterra, que no final do século XVIII se submetiam a até 80 horas de trabalho por semana.
Dois periódicos importantes da região de Boston, o Boston Globe e o Middlesex News, ressaltaram, na maioria das reportagens publicadas sobre os brasileiros imigrantes, a característica de hardworker, ou seja, trabalhadores com capacidade de dedicação e empenho para o serviço, o que reforçou sua identidade como povo trabalhador. Por outro lado, para se afirmar como povo trabalhador, o brasileiro criou um tipo de alter ego preguiçoso para os hispânicos nos Estados Unidos, aproveitando-se do estereótipo preexistente na sociedade norte-americana segundo o qual os hispânicos não gostam de trabalhar, vivem do seguro-desemprego e estão envolvidos com o tráfico de drogas. O brasileiro, de certo modo, reproduziu lá fora a identidade que, um século atrás, era atribuída ao Brasil pelos imigrantes estrangeiros – italianos, japoneses, alemães e outros –, que consideravam os nativos brasileiros um povo indolente.
Passados os momentos iniciais da migração, os líderes dos imigrantes brasileiros se aproximaram dos hispânicos de uma forma mais positiva, visando à mobilização pelos seus direitos no país. O marco desse movimento ocorreu quando houve uma mobilização dos imigrantes para exigir a aprovação de leis mais justas e que permitissem a legalização dos que não possuíam documentação para permanecer no país. Em 10 de abril de 2006, foi realizada uma grande manifestação em Boston. A coordenação do ato ficou por conta de um líder brasileiro, tendo outro como mestre de cerimônia e uma brasileira como uma das oradoras.
Passados quatro anos dessa manifestação, continua em discussão a legislação sobre a migração para aquele país, como a legalização de oito milhões de imigrantes sem documentos e a questão da fronteira entre o México e os Estados Unidos. A recente vitória dos republicanos nas eleições legislativas possivelmente representará mais um retrocesso nas idas e vindas de projetos e emendas, que se arrastam nas infindáveis discussões da Câmara dos representantes e do Senado norte-americano.
Enquanto isso, o Itamaraty deu um passo positivo em sua política consular com a eleição, realizada em novembro de 2010, do primeiro Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior, composto de dezesseis membros titulares e dezesseis suplentes, com a finalidade de defender os interesses dos brasileiros no exterior. Esse foi um longo caminho percorrido desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso como ministro das Relações Exteriores (1992-1993) até a realização, em dezembro de 2010, da Terceira Conferência Brasileiros no Mundo. A ideia da formação do Conselho de Representantes surgiu na primeira dessas conferências, em 2008.
As medidas de políticas públicas voltadas para os imigrantes brasileiros no exterior não surgiram como dádivas dos governos, mas são resultantes de importantes lutas desses indivíduos pelos seus direitos, tanto junto ao governo brasileiro quanto ao dos países onde eles residem.
Teresa Sales édiretora do Centro Josué de Castro e autora de Brasileiros longe de casa (Editora Cortez, 1999).
Saiba Mais - Bibliografia
MARGOLIS, Maxine. Little Brazil: imigrantes brasileiros em Nova York. Campinas: Papirus, 1994.
NEPO (Núcleo de Estudos de População). Base de dados bibliográfica sobre imigrantes brasileiros no exterior. Campinas: Unicamp, 1996.
Invasão brasileira
Maria Teresa Sales