É muito comum ver grandes contingentes de brasileiros migrarem hoje em dia para os Estados Unidos em busca de melhores condições de vida. Mas houve um tempo em que a norma era inversa. O New York Times chegou a noticiar, no final de 1866, que centenas de norte-americanos estavam deixando o país para fixar residência no Brasil, possivelmente sonhando com uma vida melhor.
Este movimento começou em 1865, no fim da Guerra Civil, ou da Secessão, que colocou o norte e o sul dos Estados Unidos em lados opostos e matou quase um milhão de pessoas. Derrotado, o sul ficou totalmente arrasado depois de tantos confrontos. Jornais e relatórios oficiais denunciavam a falta de alimentos, os confiscos de colheitas, incêndios, saques, e a destruição de estradas e ferrovias. O reverendo sulista Ballard S. Dunn, que posteriormente liderou um grupo de imigrantes numa viagem rumo ao Hemisfério Sul, escreveu o livro Brazil the Home for southerners (Brasil, o lar dos sulistas),no qual fazia a seguinte indagação: “Por que ficar em um país onde não há presente, nem futuro, nem segurança para a vida, liberdade e propriedade? Nossos privilégios se resumem a pagar taxas exorbitantes e salários para aqueles que destruíram nossas cidades, campos e insultaram nossas mulheres”.
Por motivos como esses, a população sulista decidiu deixar os Estados Unidos, depois de criar várias associações pró-imigração que reuniam, basicamente, amigos e parentes. Representantes dessas organizações viajaram para países como México, Venezuela, Honduras e Cuba, que poderiam vir a ser possíveis destinos. Só o Brasil recebeu cerca de trinta enviados para fazer sondagens. E todos eram bem recebidos, já que o governo imperial mantinha uma política que incentivava a vinda de estrangeiros. Era preciso criar um mercado de mão de obra livre, uma vez que o tráfico de escravos estava proibido desde 1850. Por isso, o governo ofereceu intérpretes e transporte gratuito para que os representantes das associações norte-americanas pudessem conhecer as diversas regiões do Império.
Os consulados brasileiros nos Estados Unidos colaboravam com o esquema, fornecendo informações sobre preços de terras e ferramentas, auxiliando na organização dos grupos de imigração, concedendo passaportes e, principalmente, fiscalizando a companhia de navegação contratada pelo governo para transportar os imigrantes. Com toda essa assistência, estima-se que cerca de 24 mil norte-americanos vieram paraestados como Pará, Espírito Santo, Pernambuco, Bahia, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
A agricultura acabou se tornando a principal atividade dos norte-americanos nessas regiões. Muitos compraram suas terras em colônias públicas por meio de hipotecas faturadas pelo Estado em até três prestações bianuais. O governo também garantia seis meses de alimentação para os imigrantes e sementes para o plantio, além do transporte que os levaria do porto de desembarque até seu destino final. Outros, porém, optaram por comprar terras particulares, negociadas sem qualquer intervenção do governo.
Em São Paulo, os norte-americanos foram para Campinas, Piracicaba, São Pedro, Capivari, Descalvado, Araraquara, Tietê, Rio Claro, Mogi Mirim e Cananeia – a única colônia pública em São Paulo. Santa Bárbara d´Oeste, situada a 130 quilômetros da capital paulista, foi outro importante destino, concentrando a maioria dos imigrantes que se estabeleceram de forma espontânea no estado. Os primeiros norte-americanos que se fixaram na região foram liderados por William Norris, um ex-senador que havia servido como coronel na Guerra Civil americana, e se dedicou ao cultivo do algodão e ao ensino de técnicas agrícolas. Com o tempo, esse grupo acabou atraindo outros de seus conterrâneos, vindos diretamente dos Estados Unidos ou de colônias que não vingaram em território brasileiro. A abertura de uma estação férrea próxima às terras dos imigrantes, a cinco quilômetros do centro de Santa Bárbara, acabou contribuindo para o desenvolvimento daquela comunidade e dando origem à Villa Americana – atual cidade de Americana.
Os imigrantes que foram para lá acabaram trabalhando como dentistas, médicos, pastores, professores, marceneiros, ferreiros, tropeiros, criadores de gado e, principalmente, agricultores. A maioria se dedicou à pequena propriedade e se valeu da mão de obra de parentes, amigos ou empregados livres – embora alguns norte-americanos tenham usado escravos. Nessa altura, a compra de terras, ferramentas e sementes era feita à vista ou parcelada com hipotecas. Havia uma minoria que produzia alimentos e uma ampla maioria, voltada para o mercado, que plantava algodão, cana-de-açúcar e melancia. Dedicando-se a um produto ou cultivando vários deles ao mesmo tempo, os imigrantes lançavam mão dos equipamentos mais avançados que estavam disponíveis na época: arados, moinhos, descaroçadores e enfardadores de algodão, engenhos e alambiques.
Com os norte-americanos também chegaram escolas e igrejas de orientação protestante que acabaram contribuindo para a diversidade cultural brasileira. Essas tradições se adaptaram à realidade local e deram origem a festividades inusitadas, como a festa confederada no Cemitério do Campo, que acontece até hoje. Este cemitério teve origem ainda no Brasil do século XIX, quando os norte-americanos protestantes – e por vezes maçônicos – não podiam ser sepultados nas áreas controladas pela Igreja católica. Por isso, em 1867, um dos imigrantes de Santa Bárbara cedeu parte de suas terras para os sepultamentos de sua gente, dando origem ao Cemitério do Campo, que passou a ser oficial em 1954 e funciona até hoje. Atualmente, o local também é sede de um encontro anual dos descendentes espalhados pelo Brasil: a Confederate Party (Festa Confederada). Aberta ao público, ela celebra o fim da Guerra Civil americana e ajuda a preservar as tradições sulistas, como danças e quadrilhas, músicas folk e comidas como o frango frito e as panquecas.
Alessandra Zorzetto Morenoé historiadora e analista cultural do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro (SP).
Saiba Mais - Bibliografia
GUSSI, Alcides F. Os norte-americanos (confederados) no Brasil: identidades no contexto transacional. Campinas: Prefeitura Municipal, CMU, 1997.
JONES, Judith, Soldado descansa. Uma epopeia norte-americana sob os céus do Brasil. São Paulo: JarDe, 1967.
Saiba Mais - Internet
Fraternidade Descendência Americana
Dissertação de Alessandra Zorzetto:
“Propostas imigrantistas em meados da década de 1860: a organização de associações de apoio à imigração de pequenos proprietários norte-americanos. Análise de uma colônia” (Unicamp, 2000).
O país do futuro deles
Alessandra Zorzetto Moreno