- A guerra ainda não tinha acabado, mas as nações que se anunciavam vitoriosas não pederam tempo: era preciso negociar os termos de rendição e tratar do complexo arranjo futuro entre os países. Como ficaria o mundo depois da Segunda Guerra? As conferências de Ialta, na Crimeia, e Potsdam, na Alemanha, reuniram os líderes dos Estados Unidos, da União Soviética e do Reino Unido em torno de discussões que impactariam o futuro da humanidade.Muitos historiadoes consideram as concessões feitas pelo presidente americano Franklin Roosevelt para o líder soviético Joseph Stalin, em relação ao Leste europeu, como determinantes para a formação do bloco da “Cortina de Ferro”, e consequentemente para a bipolaridade que dividiria o mundo por décadas: a Guerra Fria. Outros dizem que as diferenças ideológicas entre o Ocidente democrático e a União Soviética comunista eram tão grandes que a aliança na Segunda Guerra foi um mero “casamento de conveniência” – destinado a ser desfeito de qualquer maneira ao final da contenda, independentemente dos acertos em Ialta e Potsdam.Na conferência de Ialta, realizada em fevereiro de 1945, a guerra na Europa já estava claramente entrando em seus estágios finais. Após provações terríveis – como o bloqueio de 900 dias sobre Leningrado, a luta casa a casa em Stalingrado e a maior batalha de tanques da história em Kursk – a União Soviética conseguira não apenas expulsar os alemães de seu território, mas também de toda a Europa oriental. Naquele momento, os soviéticos já haviam avançado pela Alemanha e estavam a apenas 65 quilômetros de Berlim. Diante desse sucesso avassalador, o presidente Roosevelt teve que aceitar a hegemonia de facto da União Soviética sobre os países do Leste europeu, onde suas tropas estavam estacionadas. “Não era uma questão de o que nós permitiríamos aos russos fazer, mas do que poderíamos conseguir que os russos fizessem”, afirmou James F. Byrnes, um dos membros da delegação e o futuro secretário de Estado americano.Por um lado, Stalin fazia questão de ter a Europa oriental sob seu controle, como uma espécie de Estado-tampão, para evitar futuras invasões pelo lado oeste. Por outro, as grandes prioridades de Roosevelt eram outras: conseguir a colaboração de Stalin para que a União Soviética declarasse guerra ao Japão ao final do conflito na Europa, e para que seu país participasse da futura Organização das Nações Unidas. No hiato entre estes dois objetivos, ficou subentendido que a Europa oriental ficaria para os soviéticos, assim como a parte ocidental estaria sob domínio anglo-americano.A reunião de Ialta resultou nas seguintes deliberações: rendição incondicional da Alemanha e sua divisão em quatro zonas de ocupação (russa, americana, britânica e francesa); desmilitarização e desnazificação do país, com pagamento de reparações aos soviéticos; consentimento da União Soviética em fazer parte da Organização das Nações Unidas e sua declaração de guerra ao Japão dois ou três meses após a batalha na Europa terminar; reconhecimento do governo provisório comunista na Polônia, com promessa de futuras eleições democráticas nesse país e nos outros do Leste europeu onde as tropas soviéticas expulsaram os nazistas.A conferência seguinte, em Potsdam, foi realizada entre julho e agosto de 1945, após o final da guerra na Europa. A Alemanha capitulara em 8 de maio – o dia “V” – e o encontro trataria de assuntos práticos de como o país seria administrado no pós-guerra. Colateralmente, seriam feitas discussões relacionadas à guerra com o Japão, que ainda prosseguia.Detalhes pessoais foram muito importantes nessa reunião. Roosevelt havia morrido em 12 de abril e foi substituído por seu vice-presidente, Harry Truman. Pelo lado britânico, o resultado das eleições no país seria conhecido exatamente durante a conferência, o que levou o primeiro-ministro Winston Churchill a chegar ao encontro acompanhado de seu rival Clement Attlee. Como o Partido Trabalhista acabou vencendo a disputa, Attlee tornou-se primeiro-ministro do Reino Unido e substituiu o adversário na parte final das negociações.As decisões de Postdam foram no sentido de implementar, na prática, o que havia sido acordado em Ialta: divisão da Alemanha, da Áustria e das cidades de Berlim e Viena em zonas de ocupação; desnazificação; desmilitarização da economia alemã, tirando parte de sua indústria pesada como reparação de guerra e impondo ao país a ênfase na agricultura e na indústria leve; reparação à União Soviética em dinheiro, materiais e mão de obra; remoção de populações alemãs da Polônia, Tchecoslováquia e Hungria; alteração da fronteira da Alemanha, com entrega de terras à Polônia, para compensar as perdas dos territórios que ficaram com os soviéticos. Como os soviéticos oficialmente ainda não estavam em guerra contra o Japão, Churchill, Truman e o líder chinês Chiang Kai-Shek emitiram a declaração de Potsdam, que estabelecia os termos para a rendição dos japoneses.Durante a conferência, o presidente americano Harry Truman confidenciou a Stalin que os Estados Unidos haviam desenvolvido uma nova arma “extremamente poderosa”. O líder soviético já sabia da informação por meio de seus espiões, e permaneceu impávido. A bomba atômica teria consequências impactantes no restante da guerra com o Japão – terminada em 15 de agosto após as bombas serem lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki – e posteriormente.As tratativas de Ialta e Potsdam foram fundamentais para determinar o curso final da Segunda Guerra. Em vez de uma “corrida a Berlim”, para ver quem dos aliados conquistaria primeiro a Alemanha, os lados ocidental e soviético realizaram uma ocupação conjunta daquele país. Estabeleceram também uma “divisão de condomínio” sobre a Europa como um todo, com a parte oriental sob domínio soviético e a ocidental com hegemonia dos Estados Unidos, Reino Unido e, secundariamente, França. O lado asiático também foi tratado, porém de forma mais difusa: ali a participação da União Soviética foi mínima e as realidades acabaram se formando caso a caso, mas sob hegemonia básica ocidental, em especial norte-americana.O mais importante talvez tenha sido não tanto o final da guerra, mas o período posterior a ela. Nessa fase, a aliança entre os soviéticos e os países ocidentais se rompeu e teve início a chamada Guerra Fria, cujas origens são controversas: fruto daqueles acordos ou consequência inevitável de uma polarização prévia? Talvez uma liderança mais hábil e menos belicosa pudesse ter mantido a aliança dos tempos de Segunda Guerra para depois de seu final. Há quem suponha, por exemplo, que se o presidente Roosevelt, mais conciliador, tivesse sobrevivido e liderado as negociações no lugar do hostil Harry Truman, provavelmente teria emergido um status quo mais pacífico na relação com a União Soviética no pós-guerra. Há uma corrente de autores revisionistas que coloca a culpa do início da Guerra Fria mais nos Estados Unidos do que na União Soviética: arranjos como o sistema de Bretton-Woods e o plano Marshall seriam um prosseguimento da tradicional política imperialista das “Portas Abertas” já empregada pelos Estados Unidos no século XIX em relação à China e ao Japão.Seja como for, as conferências de Ialta e Potsdam tiveram uma importância que possivelmente transbordou os arranjos relacionados ao fim da Segunda Guerra Mundial: ao apontar os caminhos do fim do conflito, podem ter incubado a Guerra Fria e uma longa bipolaridade mundial.Angelo Segrillo é professor da Universidade de São Paulo e autor de Os Russos (Contexto, 2012) e De Gorbachev a Putin (Prismas, 2014).Saiba MaisFERRO, Marc. História da Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Ática, 1995.GADDIS, J.L. História da Guerra Fria. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.MEE, Charles L. Paz em Berlim: a conferência de Potsdam e seu mister de encerrar a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.WAACK, William. “Conferências de Yalta e Potsdam (1945)”. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História da Paz. São Paulo: Contexto, 2008.
A repartição do mundo
Angelo Segrillo