“O integralista é o soldado de Deus e da Pátria, o homem-novo do Brasil que vai construir uma grande nação”, dizia um slogan integralista. A Ação Integralista Brasileira (AIB) – fundada em outubro de 1932 com o lançamento do “Manifesto de Outubro” – se organizou a partir de uma série de pequenos grupos de extrema-direita que se aglutinaram em torno da liderança de Plínio Salgado (1895-1975) e do jornal A Razão. O primeiro ato público do movimento foi realizado em 1933: uma marcha em São Paulo com cerca de 40 mil integrantes para o lançamento de Miguel Reale (1910-2006) como candidato à Assembleia Constituinte de 1934. Nas eleições de 1936, a Ação elegeu cerca de 500 vereadores, 20 prefeitos e quatro deputados estaduais, obtendo 250 mil votos. Nada comparável ao desempenho do fascismo e do nazismo na Europa, mas relevante no contexto político brasileiro.
Mas como entender a ideologia da AIB no contexto da conturbada década de 1930? As palavras que formam o nome do partido fornecem algumas pistas. “Ação” sugere mobilização, força e violência; agir e não pensar em nome da ideologia que salvaria a humanidade e implantaria um Estado forte e sem sociedade civil. “Integralista” vem de integral e remete à ideia de totalidade, que vai contra a democracia dos partidos, o sistema de representação, a diversidade e os conflitos inerentes à vida social e política. “Brasileira” se refere à defesa exacerbada do nacionalismo em oposição aos partidos estaduais, regionais e internacionalistas – como o Partido Comunista.
Como movimento, ideologia e forma de atuação política, o integralismo faz parte da constelação de partidos fascistas que surgiram na Europa e na América Latina entre o fim da Primeira Guerra Mundial (1918) e a ascensão do fascismo na Itália (1922) e do nazismo na Alemanha (1933). Entre as ideias que ele propaga destacam-se a negação da democracia, do pluralismo político e das eleições, o controle absoluto do Estado sobre a sociedade, a eliminação da diferença ideológica e da oposição, o preconceito e o racismo, a defesa de um nacionalismo radical e de um partido único de massa, o culto à liderança única, o repúdio ao liberalismo, ao socialismo e ao comunismo, e a crença no ideal corporativo.
A AIB tinha três líderes principais – Plínio Salgado, Miguel Reale e Gustavo Barroso (1888-1959) – e alguns inimigos: o “capitalismo internacional”, o judaísmo e a maçonaria. Os textos doutrinários de Reale e Salgado eram menos explícitos em relação ao antissemitismo, pois não atacavam os imigrantes judeus no Brasil, e sim o “capitalismo e o comunismo judaicos internacionais”.
Gustavo Barroso escreveu cerca de 70 livros – sete deles abordavam o antijudaísmo, como Brasil, colônia de banqueiros – e traduziu Os Protocolos dos Sábios de Sião, texto antissemita escrito pela polícia secreta do czar Nicolau II em 1897 que culpava os judeus pelos males da Rússia e sustentava que eles conspiravam para conquistar o mundo. Mesmo diante de seus livros de história militar, de seu trabalho museológico e dos romances que o tornaram membro da Academia Brasileira de Letras, essa faceta racista da obra de Barroso não pode ser negligenciada. Tratava-se de um preconceito influenciado pelo catolicismo da extrema-direita francesa do século XIX, que chegou a idealizar o mundo medieval e pré-moderno, atribuindo ao judaísmo a responsabilidade pelo seu desaparecimento. Barroso combatia a industrialização do Brasil (em nome de uma “vocação agrária”) e atacava a vida nas cidades – onde circulavam as ideias modernas. Seu racismo agressivo provocou divergências internas no próprio integralismo, e por conta dessa postura ele não pôde mais escrever nos jornais do partido.
O antissemitismo se tornou um tema recorrente em jornais e panfletos da organização, como afirma o cientista social Hélgio Trindade: “Em função da simplicidade de seu esquema explicativo, tudo seria dirigido pela ação judaica: desde as revoluções francesa e soviética, até o controle das finanças internacionais”. Para combater ao mesmo tempo capitalismo e comunismo, os integralistas defendiam que ambos faziam parte de um mesmo complô secreto que deveria ser derrotado. Seguindo essa forma mítica de pensar, o preconceito servia de instrumento para resolver o combate, cuja vitória traria a realização do projeto de Estado sonhado pela Ação.
De acordo com o cientista político Marcos Chor Maio, Barroso acreditava na “luta de raças”. A história do mundo, para ele, seria um embate entre grupos raciais, no qual os brancos acabariam saindo vitoriosos caso combatessem a “raça judaica”, que não teria aceitado se dissolver na totalidade branca cristã, e difundiria os ideais da modernidade e do materialismo – capitalistas e comunistas – contra o espiritualismo cristão medieval. A missão da revolução integral, segundo Barroso, seria criar uma nova civilização. A figura do inimigo era essencial para o funcionamento psíquico e político deste modelo de pensar e atuar.
A ideologia antissemita não se traduziu em ações violentas contra a população judaica do Brasil, que nos anos 1930 já contava com cerca de 30 mil integrantes – uma gota d’água se comparada aos milhões de imigrantes que vinham entrando no país desde 1870. A comunidade chegou a formar uma frente anti-integralista em Belo Horizonte e editou, em Curitiba, a obra Em Legítima Defesa – a voz de um judeu brasileiro, escrita por Bernardo Schulman em 1937. O livro Por que ser antissemita?, lançado antes, em 1933, trazia depoimentos de intelectuais que contestavam essa linha de preconceito.
Por volta dessa época, mudanças sociais e culturais em todo o mundo propiciaram a eclosão não só do preconceito contra os judeus, mas também do racismo contra a população negra. O fundador da Ford Motor Company, Henry Ford (1863-1947), em O judeu internacional, por exemplo, repudiava o jazz como símbolo do mundo moderno e o novo papel dos negros na cultura e na sociedade norte-americana, ao mesmo tempo em que atribuía essa mudança aos judeus – que também estavam envolvidos com o jazz.
Como entender, nesse contexto recheado de preconceitos, a presença de integrantes negros nas fileiras da AIB? Ao contrário de grande parte dos grupos políticos dos anos 1930, como os partidos republicanos regionais e o PD (Partido Democrático) paulista, nos quais só havia brancos das elites sociais, o integralismo pretendia representar setores populares e de classe média não incluídos na política tradicional, em um movimento nacional que se apresentava como “novo”. A presença de mulheres, jovens e crianças nos quadros da Ação confirma o desejo do movimento de representar esses outros grupos.
Em uma década de extrema polaridade ideológica no mundo, entre comunismo e fascismo, e de crítica à democracia, a AIB apareceu em muitas localidades como um espaço intelectual para pensar os destinos do país, sem o controle exercido pelas oligarquias e pelos coronéis. Ela chamou a atenção de setores de classe média que se beneficiavam com o crescimento dos empregos no Estado, mas que não se identificavam com o quadro partidário vigente e se sentiam atraídos pelos desfiles de integralistas uniformizados, cheios de símbolos e rituais.
A AIB funcionou legalmente como partido até o golpe do Estado Novo, em 1937. O breve período de existência da AIB não diminui seu impacto na década de 1930 como matriz ideológica de grupos políticos posteriores e de movimentos atuais de extrema-direita que defendem uma sociedade não democrática, sem diversidade, sem conflitos e sem liberdade.
Roney Cytrynowicz é diretor de acervo documental do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro em São Paulo e autor da dissertação “Anti-semitismo e integralismo nos textos de Gustavo Barroso na década de 30” (FFLCH-USP, 1992).
Saiba Mais - Bibliografia
CALDEIRA, João Ricardo de Castro. Integralismo e Política Regional: a ação integralista no Maranhão (1933-1937). São Paulo: Annablume, 1999.
LESSER, Jeffrey. O Brasil e a Questão Judaica. Rio de Janeiro: Imago, 1995.
MAIO, Marcos Chor. Nem Rotschild nem Trotsky: o pensamento anti-semita de Gustavo Barroso. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo, o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1974.
Ao combate
Roney Cytrynowicz