Há alguns anos, Gerardo Mello Mourão (1917-2007), em entrevista sobre sua época de militância na Ação Integralista Brasileira, disse: “Não sou mais integralista porque o integralismo acabou”. Como outros “velhos militantes”, o poeta compartilhava da tese de que o integralismo pertenceu a uma época e findou com ela. Mesmo assim, Mourão, que participou ativamente da AIB na década de 1930, é sempre lembrado e homenageado por uma outra geração que vem buscando retomar o movimento que reuniu milhares de militantes de 1932 a 1937. Mas, se esses “novos integralistas” assim se denominam, o que une as glórias da AIB aos tempos de hoje?
As características forjadas a partir da década de 1930, que definem o integralismo como um movimento autoritário, conservador e cristão, são referências para os que defendem sua continuidade. Nesse período, a forte presença do fascismo na Europa dava subsídios aos intelectuais do movimento que defendiam a adoção desse modelo de regime político no Brasil. Mas havia, principalmente, a presença de uma forte relação com o catolicismo que diferenciava o integralismo dos movimentos autoritários históricos. Fascistas e nazistas, garantiam os integralistas, eram totalitaristas, pois acreditavam que o homem estaria subordinado ao Estado como parte deste. Já a AIB dizia defender o “totalismo”, em que o Estado seria uma das expressões do todo, como parte da síntese que incluiria todas as manifestações nacionais, sociais e econômicas.
Com sua história iniciada nas primeiras décadas do século XX e tendo assistido à derrocada dos modelos autoritários europeus, o integralismo foi se adequando aos novos tempos democráticos. Mas a chamada Doutrina do Sigma continua sendo defendida até hoje como um elo que une gerações. Ela é o conjunto das reflexões presentes nas Obras Completas de Plínio Salgado (1895-1975), nos textos de Miguel Reale (1910-2006) – então Chefe Nacional da Doutrina – e nos de Gustavo Barroso (1888-1959). Também estão incorporados à doutrina pensamentos de outros líderes, assim como documentos oficiais da AIB incluídos na Enciclopédia Integralista, editada na década de 1950.
Os integralistas de hoje se veem como a quarta geração do movimento, considerando que a primeira foi a que militou na AIB; a segunda, a que levantou a bandeira do Partido de Representação Popular; e a terceira, a que atuou no período entre a morte de Salgado (1975) e os primeiros anos do século XXI.
Mas se pode dizer que a representação integralista no âmbito do Estado sempre esteve presente, como durante a ditadura militar, quando a maioria dos membros do PRP que permaneceu na política filiou-se à Arena, como Salgado e Raymundo Padilha (1899-1988).
Os anos 1980 foram marcados pela ausência física do chefe. E para conservar a memória do movimento, em 1981 foi fundada na cidade de São Paulo a Casa de Plínio Salgado (CPS), cujo objetivo é divulgar obras importantes do integralismo, principalmente as do seu antigo líder. A criação da CPS foi uma iniciativa dos “águias-brancas”, ex-membros da Confederação dos Centros Culturais da Juventude ligados ao PRP – que foi cassado em 1965 pelo Ato Institucional nº 2.
Em 1983, o advogado Anésio de Lara Campos Júnior registrou a Ação Nacionalista Brasileira, e dois anos depois voltou a insistir na reestruturação da AIB – usando a mesma sigla da década de 1930 –, tornando-se seu primeiro presidente. Uma nova tentativa de reorganização do movimento seria feita em 1988 para conter o que alguns ex-militantes viam como uso indevido da sigla. Pensou-se na possibilidade de organização do Partido de Ação Integralista, mas os militantes acabaram optando pela recuperação do projeto inicial da AIB, organizando-se em centros culturais.
Para decidir os rumos do movimento, foi realizado em Niterói (RJ), em 1989, um congresso com a participação direta da família Salgado, de ex-militantes da década de 1930 e de alguns “águias-brancas”. Tentava-se reorganizar o movimento com a criação de associações que pudessem reviver a antiga prática integralista de doutrinação em cursos e encontros. Nessa retomada, alguns centros culturais foram abertos, sendo um dos mais importantes o C. C. Plínio Salgado de São Gonçalo (RJ). Seu fundador e mantenedor era o advogado Arcy Estrella (1917-2003), militante da AIB e membro do PRP.
Com a ampliação da participação popular no processo de restauração da democracia desde os anos finais da ditadura, dava-se espaço para a diversidade ideológica. Assim, o CCPS ampliou sua rede de divulgação do integralismo e aglutinou uma nova militância, provocando debates sobre a Doutrina do Sigma. Com apoio de Estrella, foi divulgado o Manifesto Integralista de 2001, assinado pelo CCPS e pelo Centro de Estudos e Debates Integralistas (Cedi), num período de muitas cisões no movimento. As brigas internas teriam levado o presidente do Cedi, Marcelo Mendez, ao suicídio em 2002. Ele se matou no mausoléu integralista que abriga os corpos dos militantes mortos em 11 de maio de 1938, durante a tentativa de tomada do Palácio Guanabara por integralistas e por outros grupos que queriam depor o presidente Vargas.
Com a morte de Arcy no início de 2003, a defesa da Doutrina foi assumida pelos “novos” integralistas. Com o intuito de unificar o movimento, foi organizado em dezembro de 2004, na capital paulista, o Primeiro Congresso Integralista para o Século XXI. O resultado do encontro foi a fundação do Movimento Integralista Brasileiro (MIB) e do Conselho Nacional Integralista, cuja missão seria “resgatar o integralismo em todo o Brasil”. Mas este encontro, em vez de unir, demonstrou a diversidade de interpretações e discordâncias quanto às leituras da Doutrina. Formaram-se então, para marcar bem as diferenças, a Frente Integralista Brasileira (FIB), o Movimento Integralista Linearista Brasileiro (MIL-B) e a Ação Integralista Revolucionária (AIR).
A FIB – fundada oficialmente em janeiro de 2005 – é fiel às diretrizes estabelecidas no Manifesto Integralista de 1932 e acredita que o integralista de verdade estuda a Doutrina do Sigma seguindo as premissas indicadas nas encíclicas papais Rerum Novarum (1891) e Quadragesimo Anno (1930). Defendem a “Democracia Orgânica”, que tem no voto profissional, por sindicato, e não no sufrágio universal, o meio de conter o pluripartidarismo da democracia liberal, tido como desagregador da unidade da nação. Para garantir a formação doutrinária, a FIB conta com o Instituto Plínio Salgado, fundado em junho de 2009, que tem o objetivo de promover o “aperfeiçoamento intelectual” de seus militantes.
O Movimento Integralista e Linearista Brasileiro fez as primeiras reuniões em 2003, na cidade paulista de Campinas. Três anos depois, criou-se a Sociedade de Estudos do Nacionalismo Espiritualista (Sene) para doutrinar novos seguidores. Seus membros acreditam na possibilidade de implantação da Democracia Orgânica e no corporativismo como base da organização do Estado – tal como a FIB. Mas, para o MIL-B, Salgado acreditava que a Doutrina do Sigma podia ser repensada em outros contextos. Para os linearistas, as reflexões de Salgado, Barroso e Reale apontam para uma releitura da Bíblia, indicando uma crítica ao Velho Testamento. Assim, discordam da FIB quanto à importância do catolicismo no integralismo.
Criada em dezembro de 2004, a Ação Integralista Revolucionária se volta para estratégias de organização do movimento, embora também defenda a fidelidade à Doutrina. Liderada por Jenyberto Pizzotti, a AIR discorda da opção de Salgado que, em 1935, tornou a AIB um partido político e propõe a constituição de células agindo sob única coordenação. A AIR se afasta da tradição defendida pela FIB, mas mantém a fidelidade a Salgado, embora acredite na possibilidade de um novo chefe para o integralismo. Já FIB e MIL-B não consideram possível uma substituição de Plínio: para ambos, o antigo líder, apesar de estar na chamada “milícia do além”, continua guiando o movimento.
É certo dizer que os integralistas dos tempos da AIB acreditavam em um ideal, que a segunda geração do movimento aderiu à democracia liberal burguesa no esforço de conciliar a militância com o sistema vigente. A terceira procurou rever as metas da AIB e resgatar o movimento a partir do que Salgado, desde a década de 1930, acreditava ser a sua essência: a Doutrina do Sigma. E os novos integralistas vêm redefinindo as interpretações da Doutrina, incorporando reflexões e novas perspectivas, mantendo-a como guia para uma leitura peculiar do mundo.
Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro é professora da Universidade Federal Fluminense e autora da tese “Do Sigma ao Sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo – a construção de memórias integralistas” (UFF, 2007).
Saiba Mais - Bibliografia
BERTONHA, João Fábio. Fascismo, Nazismo, Integralismo. São Paulo: Ática, 2002.
DOTTA et alii (orgs.). Integralismo: Novos Estudos e Reinterpretações. Rio Claro: Arquivo Público, 2004.
SILVA, Giselda, GONÇALVES, Leandro & PARADA, Maurício (orgs.). Histórias da Política Autoritária – Integralismos, Nacional Sindicalismo, Nazismo, Fascismos. Recife: UFPE, 2010.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo – o fascismo brasileiro na década de 30. SP/RJ: Difel, 1979.
Saiba Mais - Internet
Frente Integralista Brasileira
www.integralismo.org.br
Doutrina Linear Brasileira
www.doutrina.linear.nom.br
Saiba Mais - Filme
“Soldado de Deus”, de Sérgio Sanz (2004).
Coisa do passado?
Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro