De roupa nova

Gilberto Calil

  • O integralismo dos anos 1930 parecia definitivamente sepultado com a derrota dos nazistas em 1945, na Segunda Guerra Mundial. Havia então uma grande esperança de avanço da democracia e das liberdades. Foi nesse contexto, para surpresa de muitos, que se reorganizou o movimento integralista brasileiro. Sob a liderança de Plínio Salgado (1895-1975), os integralistas fizeram um enorme esforço para esconder seu passado fascista e passaram a se apresentar como defensores da democracia. Tratava-se de uma evidente encenação. Mesmo assim, conseguiram voltar ao cenário político e constituir um partido e várias outras organizações. Acabaram influenciando a política brasileira e divulgando seu projeto conservador, autoritário e anticomunista.

    Nessa época, o integralismo se organizou de forma muito mais discreta do que na década de 1930. Mesmo assim, de um jeito bem eficiente, superando os obstáculos iniciais e conservando a relevância de seu papel político. Seu principal instrumento foi o Partido de Representação Popular (PRP), fundado em 1945, que durante vinte anos participou de todas as eleições realizadas no período, elegendo senadores, deputados, prefeitos e vereadores na maior parte do Brasil. O PRP chegou a contar com dezenas de milhares de adeptos, permitindo que o partido se constituísse na maioria dos municípios do país.

    Para isso, o partido centrou fogo no “combate ao comunismo”. Os integralistas identificavam os comunistas como os grandes inimigos e se apresentavam como os únicos capazes de enfrentá-los. Segundo eles, havia um “plano comunista de dominação do mundo” – como discursavam os parlamentares e repetiam os jornais e panfletos –, e o Brasil corria o risco iminente de uma invasão soviética. Era preciso que a população acreditasse nessa invenção e a temesse. Afinal, no contexto internacional de Guerra Fria, tudo parecia possível.

    Além disso, a pregação anticomunista garantiu aos integralistas o auxílio financeiro de alguns grandes industriais, comerciantes e banqueiros. Com esses recursos, eles abriram uma editora que publicava principalmente livros contra os comunistas. Produziram dois jornais semanais de circulação nacional: Idade Nova (1946-1951) e A Marcha (1953-1965), além de promover comícios e programas radiofônicos em diversas ocasiões. A “democracia” pregada pelos integralistas era bastante curiosa: somente os cristãos e os anticomunistas poderiam ter liberdade. Socialistas, comunistas e todos os demais adversários eram tratados como inimigos da “democracia” e, portanto, deveriam ser proibidos, censurados e perseguidos. O jornal integralista Idade Nova chegou a afirmar, em maio de 1950, que “à medida que correm os dias, verifica-se a sabedoria com que agiu a justiça brasileira, ao colocar fora da lei o Partido Comunista em nosso país”. Plínio Salgado exigia medidas repressivas ainda mais duras em seu livro Como se prepara uma China (1949): “No Brasil, fazem-se as coisas pela metade. Concordou-se que o comunismo é um mal. Todavia, fechou-se o partido comunista (que era a aparência tangível do mal) deixando-se que o comunismo, ele mesmo, continuasse a agir livremente”.

    Nas eleições parlamentares, o PRP obtinha, em média, 3% dos votos – algo em torno de 300 mil –, o que bastava para eleger alguns deputados. Sua base eleitoral era formada principalmente pela classe média – pequenos proprietários rurais, comerciantes e profissionais liberais. Em alguns municípios, chegou a ser o principal partido, elegendo prefeito e vereadores. Nas eleições estaduais, na maioria das vezes, fez coligações apoiando candidatos de outros partidos, obtendo em troca cargos importantes em seus governos. Para fazer essas alianças, os integralistas exigiam que os partidos aliados declarassem que sua doutrina era “democrática”.
    Dessa forma, eles contribuíram para a eleição de candidatos dos principais partidos da época que nada tinham a ver com o integralismo: o trabalhista Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul pelo PTB em 1958; o liberal Lomanto Júnior, governador da Bahia pela UDN em 1962; o conservador Ildo Meneguetti, eleito governador do Rio Grande do Sul pelo PSD em 1962; e os pessepistas Lucas Nogueira Garcez, em 1950, e Adhemar de Barros, em 1962, governadores de São Paulo. O PRP também participou dos governos de Juscelino Kubitschek (1956-1960), Jânio Quadros (1961) e dos primeiros meses do mandato de João Goulart (1961-1964). Em todos eles, os integralistas ocuparam a presidência do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (Inic), responsável pela política agrária e pelo estabelecimento de núcleos de colonização.

    O auge do PRP se deu em 1955, quando Plínio Salgado foi candidato à Presidência da República, obtendo mais de 700 mil votos (8% do total), o suficiente para empolgar os simpatizantes do integralismo. Sem o apoio dessa candidatura, dificilmente Juscelino Kubitschek teria sido eleito presidente da República, pois ela disputou o eleitorado conservador com a UDN e foi determinante para a derrota de Juarez Távora. A votação expressiva obtida por Plínio animou seus correligionários. Em 1957, com o aumento do espaço político, também cresceu a confiança do movimento, que voltou a adotar o antigo símbolo integralista Sigma () e a realizar desfiles públicos, tentando aparentar uma capacidade de mobilização que já não tinha mais.

    Além do PRP, os integralistas constituíram várias outras organizações. Os “centros culturais de juventude” foram os que tiveram maior visibilidade, pois buscavam a adesão dos jovens por meio da realização de reuniões e palestras. Enquanto isso, a Organização Serviço de Imprensa e Propaganda (Osip) – um aparato que espionava os comunistas – promovia a infiltração de agentes integralistas no seio dos movimentos populares, dos partidos e das organizações de esquerda, além de produzir relatórios que comprovassem o “perigo que eles representavam”.

    Os integralistas também criaram organizações voltadas para os trabalhadores – União Operária e Camponesa do Brasil – e para as mulheres – Ação Patriótica das Mulheres Brasileiras –, mas nenhuma delas teve êxito. A intenção era criar um movimento de opinião que propagasse os seus ideais, objetivo que certamente não foi alcançado. As votações que seus integrantes receberam chegaram a ser expressivas em determinados momentos, mas eles jamais conseguiram voltar a se organizar nos mesmos moldes da década de 1930.
    A intervenção integralista produziu efeitos muito concretos. O exemplo mais claro está na articulação do golpe de estado de 1964. Desde meados de 1962, quando romperam com o governo constitucional de João Goulart, os integralistas contribuíram de diversas formas para a sua deposição. Desde então, eles passaram a denunciar Jango como “comunista” e “traidor” por meio de seus veículos de imprensa e dos discursos de seus líderes e seus parlamentares. Nas eleições de outubro de 1962, os integralistas fizeram parte do bloco conservador e receberam financiamentos de instituições de clara orientação anticomunista, como o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad).

    As bases do PRP também participaram ativamente das “Marchas pela Família, com Deus e pela Liberdade” – movimento que surgiu em reação ao programa de reformas de base do presidente – e da conspiração que tramou a tomada do poder. Isso se deu por meio da articulação com lideranças políticas de oposição e da ação de militares integralistas que tiveram papel de destaque no golpe, como o almirante Arnoldo Hasselman e o general Olímpio Mourão Filho. Hasselman liderou a repressão aos marinheiros rebelados em 25 de março de 1964, e Mourão desencadeou a ação “revolucionária” seis dias depois.

    O importante papel desempenhado pelo integralismo no período 1945-1964 torna-se compreensível quando se observa que os principais objetivos de seu projeto eram compartilhados, ao menos em parte, pelos partidos políticos de ponta, pelos grupos dominantes e pela grande imprensa. O movimento, embora tivesse um fundo fascista, encontrava terreno fértil para a sua propaganda, pois defendia veementemente políticas que eram compartilhadas por muitos: a perseguição aos comunistas, postos na clandestinidade pelo governo autoritário do general Eurico Dutra em 1947; as restrições à organização dos trabalhadores, consolidadas na Constituição de 1946, que manteve os sindicatos atrelados ao Estado; e a afirmação de uma “democracia” excludente, efetivada com o poder concedido ao Tribunal Superior Eleitoral para julgar que partidos deveriam ser proibidos ou não.

    Essas restrições, apesar de aplaudidas pelos integralistas, eram igualmente defendidas pelos principais grupos políticos e econômicos. Assim, o integralismo expressava, em sua forma mais radical, a defesa de limitações e restrições à democracia que também eram aceitas e defendidas pelos grupos dominantes. Não eram, portanto, exóticos ou marginais, mas, ao contrário, cumpriam a função concreta de cães de guarda contra os “comunistas”, ou seja, os “radicais” e as organizações das classes trabalhadoras que pudessem pôr em questão a ordem vigente.

    GILBERTO CALIL é professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná e autor de Integralismo e Hegemonia burguesa: o PRP na política brasileira (Edunioeste, 2010).


    Saiba Mais - Bibliografia

    SALGADO, Plínio. O Conceito Cristão de Democracia. São Paulo: Presença, 1945.
    SALGADO, Plínio. Livro verde de minha campanha. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1946.


    Saiba Mais - Filme

    “Soldado de Deus”, de Sérgio Sanz. Brasil, 2004.