No começo da década de 1970, Hélgio Trindade foi pioneiro na pesquisa acadêmica sobre o integralismo, com uma tese de doutorado na Sorbonne, em Paris, que deu origem ao livro Integralismo: o fascismo brasileiro da década de 30. Em entrevista à RHBN, Trindade, que é reitor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), dá um mergulho no passado, repensa os tempos de hoje e afirma: “O integralismo foi rejeitado pela História brasileira, como um pesadelo dos anos 30”.
REVISTA DE HISTÓRIA Que princípios orientaram o Manifesto Integralista de 1932?
HÉLGIO TRINDADE A ideologia integralista não se esgota no Manifesto de 1932, que defende um amálgama de componentes doutrinários oriundos do seu lema “Deus, Pátria e Família”. Trata-se de um manifesto espiritualista, com forte dimensão nacionalista apoiada na organização corporativa da sociedade. Pouco a pouco, a ideologia integralista, com as contribuições de Miguel Reale e Gustavo Barroso, começa a se identificar com o fascismo e o nazismo. As entrevistas com os dirigentes e militantes da AIB revelam esse alto grau de identidade com os principais aspectos da ideologia fascista.
RH Em que sentido havia um parentesco com os regimes de Mussolini e Hitler?
HT O estudo comparativo do fascismo e de suas manifestações – dentro e fora da Europa – revela variantes nacionais em diferentes países, uma vez que a dimensão nacionalista de todos sempre busca encobrir as influências externas. No caso do integralismo, o parentesco não só é claro na ideologia, mas também na sua organização: o Chefe nacional, o juramento ao Chefe, os rituais, a estrutura da milícia, a concepção de Estado e a definição dos inimigos (liberalismo, socialismo, capitalismo internacional, judaísmo).
RH Podemos definir o integralismo como uma forma de fascismo?
HT Numa pesquisa que fiz sobre o nazifascismo na América Latina, analisei as diferentes manifestações dos partidos e movimentos de inspiração européia, desde o México com o “sinarquismo” até o Chile com o “partido nacista”, passando por Brasil, Bolívia, Paraguai, Peru e Uruguai. Os resultados mostraram que em todos esses países, com exceção do Brasil, houve movimentos que imitaram alguns aspectos do fascismo e do nazismo nas décadas de 1930 e 1940, mas não conseguiram se massificar como nas matrizes italiana e alemã. A única experiência que comprovadamente se assemelhou ao fascismo foi o integralismo. Em minha tese de doutorado, combinei diferentes dimensões do fascismo, não só a ideológica, mas a origem social, as motivações de adesão dos militantes, a organização em torno do Chefe nacional e a identificação com conceitos e valores do nazifascismo.
RH A volta do integralismo politicamente organizado, que não foi banido pela Constituição de 1946 nem pelas seguintes, não foi considerada um perigo pelos nossos legisladores?
HT A Constituição de 1946 não tinha o que banir, pois a AIB foi fechada em pleno Estado Novo, quando Vargas se deu conta de que um partido organizado e mobilizado (vide a marcha de 35 mil integralistas sobre o Rio de Janeiro, em 1937) seria uma ameaça para o regime – que, ao contrário do peronismo, não pretendia instituir um partido nacional. O ataque a Vargas no Palácio Guanabara obrigou Plínio Salgado a exilar-se em Portugal, enquanto os militantes implicados no fracassado atentado eram perseguidos pela polícia do Estado Novo. Em consequência disso, a fundação do Partido de Representação Nacional (PRP), com a participação de ex-integralistas, se deu dentro das regras de “redemocratização” do pós-guerra, e o Chefe da AIB chegou a se candidatar à Presidência da Republica. O discurso ideológico do PRP tentou se reconciliar com a liberal-democracia, e em suas Obras Completas, Salgado retirou todas as referências que pudessem associá-lo à AIB: “partido único”, “antiliberalismo”, etc.
RH Mas esse integralismo organizado não pode ser perigoso para a sociedade democrática brasileira?
HT Não creio que se possa falar a sério do retorno de um “integralismo organizado”, exceto pela participação saudosista de alguns herdeiros da AIB. Como em outras regiões do mundo, há manifestações de “neonazistas” por aqui que tentam reproduzir o nazifascismo como “farsa”. Certos condicionamentos históricos nacionais e internacionais são indissociáveis no desenvolvimento do fascismo clássico. Se essa possibilidade fosse capaz de se reproduzir em qualquer contexto, os resultados das pesquisas de Adorno em seu livro The authoritarian personality (1950) – cuja “escala F” media o “fascismo potencial” – poderiam incentivar o surgimento de novos movimentos fascistas, coisa que não ocorreu. Como escrevi na conclusão do meu livro, “o integralismo – que acreditava responder às aspirações de um país jovem e aberto às influências – foi rejeitado pela História brasileira, como um pesadelo dos anos 30”. E espero que definitivamente.
Entrevista com Hélgio Trindade
Marcello Scarrone