Corria o ano de 1849 quando uma bailarina de nome Marietta desembarcou no Rio de Janeiro com grande repercussão. Com apenas 21 anos, a moça nascida em Parma – então Ducado de Parma e Piacenza – já gozava de prestígio internacional, com inúmeras apresentações em grandes palcos europeus, como o londrino Covent Garden e o Teatro alla Scala, de Milão, onde era prima ballerina assoluta. No Rio, fez furor no Teatro São Pedro de Alcântara e caiu nas graças da família imperial e da elite carioca, que só não esperavam que a moça se encantasse com o lundu e decidisse levá-lo aos bons palcos da Corte. As umbigadas libidinosas aprendidas com os escravos no Largo da Carioca não caíram bem aos olhos da “boa sociedade”, que pouco a pouco passou a torcer o nariz para Marietta. Torceu mais ainda quando a moça se declarou antimonarquista e tratou de armar greves contra empresários que não pagavam os artistas. Saiu das graças da imprensa e dos mais conservadores. Seus últimos passos na capital da Corte foram registrados em 1865, quando, já em franca decadência, atuava como dançarina de vaudeville. Não se sabe exatamente por onde viveu depois disso ou quando morreu, mas uma coisa é certa: de seu nome completo – Marietta Baderna – originou-se mais uma palavra no nosso vocabulário.
Segundo o filólogo Antenor Nascentes, chegam a 383 as palavras de origem italiana que, como “baderna”, foram assimiladas pela língua portuguesa. Entre elas estão aquarela, bravata, cafona, cantina, caricatura, cascata, fiasco, loteria, ópera, partitura, poltrona, ribalta e tchau. Palavras que caíram na boca do povo e que, assim como outros aspectos culturais, chegaram ao Brasil já nos séculos XVI e XVII, logo que os primeiros representantes comerciais venezianos, genoveses e florentinos desembarcaram no Rio de Janeiro e relataram suas impressões às cidades de origem. À medida que se sucederam novos fluxos migratórios, trazendo oriundi dos diversos estados da Península Itálica para outras cidades brasileiras, chegaram novos hábitos e costumes tão variados quanto as realidades que encontraram por aqui. Por esse motivo a professora Núncia Santoro de Constantino, do Departamento de História da PUC-RS, faz questão de frisar a complexidade deste fenômeno e a impossibilidade de se tratar a imigração italiana e os traços culturais deixados no Brasil como conceitos simplificados.
“As diferenças regionais já aparecem na origem, visto que cada província traçava sua política desde 1850. Pode-se falar, sim, em italianidades e em diferentes representações: o italiano em São Paulo é o operário anarquista ou socialista, é mão-de-obra na lavoura de café; o italiano no Rio de Janeiro pode ser um artista, um pequeno comerciante; o italiano nas colônias do Sul ou do Espírito Santo é agricultor proprietário de terra; o italiano nas cidades do Nordeste ou do Norte é mascate ou comerciante, como comerciantes e artesãos são os italianos espalhados pelas cidades brasileiras”, enumera a professora, estudiosa da imigração italiana desde a década de 1970 e autora de livros como O italiano de esquina – imigrantes na sociedade porto-alegrense (EST, 1991) e Italiano na cidade – a imigração itálica nas cidades brasileiras (UPF, 2000). “Pode-se falar em diferentes papéis e aportes culturais, dependendo das diferentes áreas e tempos em que foi registrada a sua presença.”
Apesar de tantas diferenças entre as “itálias” anteriores à unificação (1861) e entre os contextos variados em que se estabeleceram no Brasil, Núncia Constantino reconhece que há traços em comum deixados como herança pelos diversos grupos de oriundi. “Alguns acréscimos culinários não são desprezíveis, como a pastasciutta [macarrão], o brodo [sopa] e a polenta, além do hábito de consumir vinho, cada vez mais difundido a partir do Sul”, afirma a professora, antes de destacar que no Rio do século XIX a presença italiana na zona urbana teve uma certa aura “modernizadora”, atendendo aspirações dos governantes. E recorre ao sociólogo alemão Georg Simmel – para quem “os estrangeiros desenvolvem atividades que os naturais da terra não querem ou não podem desenvolver” – antes de relembrar o protagonismo de alguns imigrantes na capital da colônia.
Foi pouco depois da transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, que se fizeram os primeiros laços musicais entre italianos e brasileiros. Para o corpo de cantores da Capela Real vieram da Península Itálica – sobretudo de Nápoles – algumas dezenas de castrati, aos quais eram entregues as vozes mais agudas das missas naquela época, quando a Igreja não permitia mulheres no coro eclesiástico. Assim, brilhavam nomes como Fortunato Mazziotti e Giovanni Faccionni, citados por Vasco Mariz no livro A música no Rio de Janeiro no tempo de D. João VI. E foi também por esta época que o padre carioca e mulato José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) escreveu a primeira ópera “brasileira”: I due gemelle (Os dois gêmeos), jamais encenada e cujo texto – em italiano, língua-mãe das óperas – se perdeu.
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*Pedro Paulo Malta é jornalista.
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