O mapa da Itália, que hoje é tão conhecido pelo formato que lembra uma bota, nem sempre foi assim. Esta mesma área era composta de pequenos territórios dominados por estrangeiros até meados do século XIX. Quando o Reino da Itália foi proclamado, em 1861, a maior parte daquelas regiões, pela primeira vez, se unia politicamente. Essa data foi um marco histórico do Risorgimento (Ressurgimento), como ficou conhecido o processo de liberação do solo italiano do controle internacional, determinado no Congresso de Viena (1815), no começo da assim chamada Restauração Absolutista.
Mas a vontade de renascer, indicada na própria palavra risorgimento, era bastante antiga. Até depois da queda do Império Romano ocidental (476), quando a península ficou dividida, existia na região uma ideia de Itália ainda frágil, baseada em um conjunto de tradições culturais compartilhadas, no mesmo aparato jurídico e, principalmente, na fé religiosa comum. Este sentimento resistiu aos localismos e às autonomias medievais, e foi reforçado no fim da Idade Média com o nascimento de uma literatura propriamente “italiana” – com Dante Alighieri (1265-1321) e Francesco Petrarca (1304-1374) –, além da difusão de uma língua escrita comum.
As primeiras reflexões políticas sobre a necessidade de uma autonomia nacional foram originadas no século XVI, a partir das obras de grandes intelectuais como Nicolau Maquiavel (1469-1527) e Francesco Guicciardini (1483-1540), e encontravam nova força no século XIX. Isso porque os ideais surgidos na Revolução Francesa (1789-1799), e durante a posterior ocupação napoleônica, provocaram a politização do povo e alimentaram o desejo de se criar uma nação. Mas os acordos fechados entre as grandes potências europeias no Congresso de Viena sacrificaram a península italiana, beneficiando os interesses austríacos. A Itália acabou sendo dividida em oito Estados, dos quais apenas o Reino da Sardenha, governado pela dinastia dos Sabóia, compreendendo também o Piemonte e a Ligúria, havia mantido a autonomia.
Os primeiros motins revolucionários antiaustríacos aconteceram no Reino das Duas Sicílias, governado pela dinastia espanhola dos Bourbons, e no Piemonte em 1820 e 1821; depois, nos Ducados de Parma e de Modena e nos Estados Pontifícios em 1830 e 1831. Todas essas insurreições foram facilmente reprimidas. Devido ao espírito sectário, os rebeldes não possuíam a força necessária, nem contavam com o apoio das potências europeias. Após o fracasso desses movimentos, em 1831, entrou em cena o genovês Giuseppe Mazzini (1805-1872). Exilado na França, ele fundou a “Jovem Itália”, uma associação política voltada aos jovens e com a finalidade de derrubar, por meio da revolução, o domínio estrangeiro. Mazzini foi o principal teórico do movimento liberal democrático que atuou no Risorgimento italiano. Os democratas imaginavam a Itália como uma república unitária, baseada no princípio da igualdade e da soberania popular. Para isso, acreditavam que era preciso fazer uma insurreição popular contra o poder estabelecido.
Contrastando com os liberais democratas, surgiu o pensamento dos liberais conhecidos como “moderados”, que optavam por um processo gradual de reformas, guiadas pelos vários soberanos. Criticavam as insurreições – já falidas em diversas ocasiões – e pensavam na formação de uma monarquia constitucional, nos moldes da inglesa. Buscavam formar uma confederação entre os Estados já existentes e defendiam a criação de um mercado comum nacional que extinguisse as barreiras alfandegárias, favorecendo o desenvolvimento econômico de toda a península italiana.
As forças políticas moderadas alcançaram, entre 1846 e 1848, uma fase de reformas tênues, porém significativas, que culminou com a concessão de cartas constitucionais no Reino de Sardenha, no Grão-Ducado da Toscana e até mesmo no Reino das Duas Sicílias. Essas concessões anteciparam as revoltas gerais de 1848, que, difundidas na Europa central, envolveram também a Lombardia e o Vêneto, regiões que faziam parte diretamente do império austríaco. Em março daquele ano, o rei da Sardenha, Carlos Alberto (1798-1849), empurrado pelo sentimento patriótico de seus súditos, interveio na Lombardia contra a Áustria. Começava assim a Primeira Guerra de Independência nacional, cingindo também os soberanos dos reinos das Duas Sicílias, do Grão-Ducado da Toscana e o papa Pio IX, que enviaram auxílio ao rei com escassas tropas e grupos de voluntários.
As esperanças de vitória foram rapidamente traídas. Após as primeiras batalhas, o papa retirou suas tropas da guerra. Alegou que não queria combater um Estado católico como o império austríaco. O mesmo aconteceu com os outros aliados. Por isso, o exército de Carlos Alberto, fragilizado e derrotado, retirou-se. Como consequência, as forças liberais democráticas aumentaram sua influência. Em Roma, o papa teve de fugir de uma revolta popular, e, em fevereiro de 1849, uma Assembleia Nacional Constituinte proclamou a República Romana, que parecia realizar o sonho de Mazzini. Apesar da resistência desesperada de 10 mil voluntários guiados pelo comandante Giuseppe Garibaldi (1807-1882), uma coalizão de soldados austríacos, bourbônicos e franceses restabeleceu o domínio papal em julho do mesmo ano.
Na década seguinte, muitas insurreições guiadas pelos democratas foram facilmente contidas, pois estavam isoladas do contexto internacional e sem apoio popular, ao contrário do que pregava o idealismo mazziniano. Com isso, alguns abandonaram a causa revolucionária e aceitaram uma solução monárquica mais realista.
O único Estado com uma Constituição Liberal na Itália era o Reino da Sardenha, comandado pelo filho de Carlos Alberto, o rei Vítor Emanuel II (1820-1878) e seu hábil primeiro ministro, o conde Camilo Benso de Cavour (1810-1861). Inspirado por ideias liberais, o estadista reforçou o sistema parlamentar e conseguiu modernizar o pequeno reino em poucos anos. Com a participação vitoriosa na Guerra da Crimeia (1853-1856), ao lado da Inglaterra e da França, e contra a Rússia, Cavour obteve a oportunidade de integrar o posterior Congresso de Paris (1856), apresentando às potências vencedoras a dramática situação política da península italiana. Mas sua obra-prima diplomática se realizou em 1859. Com o apoio do imperador francês Napoleão III, voltou-se contra a Áustria na Segunda Guerra de Independência. O conflito levou à conquista da Lombardia e à anexação de duas regiões da Itália central, a Toscana e a Emília.
Cavour aproveitou também a promissora expedição de Garibaldi no sul da península (1860). O “herói dos dois mundos” – como era conhecido por ter lutado na América do Sul e na Europa – zarpou da Ligúria com mil homens, aos quais se juntaram muitos outros voluntários, e conseguiu, em poucos meses, libertar e conquistar os territórios dos Bourbons, chegando da Sicília até Nápoles. Antes que os garibaldinos se dirigissem a Roma, como era intenção dos democratas, o governo de Cavour decidiu enviar as próprias tropas a fim de deter o movimento e evitar a reação dos franceses, defensores do papado. Com base em um acordo, Garibaldi aceitou que a unificação do país se realizasse sob a monarquia dos Sabóias e consentiu que um plebiscito popular legitimasse a anexação das terras ocupadas ao Reino de Sardenha. Para Garibaldi, a conquista de Roma era essencial, mas, naquele momento, o comandante compreendeu que teria sido impossível a continuação da expedição e deixou o poder nas mãos do rei da Sardenha.
Nascia assim, em 1861, o Reino da Itália, que teve como primeiro soberano o próprio Vítor Emanuel II. Mas o Estado ainda precisava consolidar a própria legitimidade junto ao povo, com frequência excluído e, talvez, até hostil ao desenho político que nascia. Especialmente no sul, o percurso de adesão à unidade foi muito complexo. Graças ao Risorgimento, criou-se a premissa de uma nação feita de cidadãos em vez de súditos e que, nos anos seguintes, seria reconhecida na Europa como uma média potência econômica e política.
Faltavam ainda o Vêneto e o Lácio – onde estava Roma –, regiões que se encontravam, respectivamente, sob o domínio austríaco e papal. Em 1866, na Terceira Guerra de Independência, a Itália lutou ao lado da Prússia contra a Áustria. Com a vitória, o Vêneto foi anexado ao mapa. Logo depois, em 1870, as tropas italianas, aproveitando-se das fraquezas da França, que se dedicava a uma difícil guerra contra a Prússia, entraram em Roma sem resistência.
Foi somente após a vitória italiana contra a Áustria na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que territórios como o Trentino e a região de Udine e Trieste se tornaram parte do Estado unitário. Como pertenciam ao Império Habsburgo, quem emigrasse daquelas regiões até 1918 era registrado como cidadão austríaco, mesmo falando italiano ou os dialetos locais. Ao fim da Primeira Guerra, a Itália, tal qual a conhecemos, estava enfim unida.
Muitas itálias
No Congresso de Viena, a Itália foi dividida em uma dezena de Estados, que se reduziram rapidamente a oito: o Reino Lombardo-Vêneto era diretamente administrado pelo Império Habsburgo; o Grão-Ducado da Toscana, o Ducado de Módena e Reggio e o Ducado de Parma e Piacenza foram entregues aos membros da dinastia Habsburgo; o Ducado de Lucca, à Maria Luisa de Bourbon-Espanha; o Estado Pontifício, com as suas legações, foi devolvido ao papa Pio VII, que retornou a Roma com aclamação geral do povo italiano; no Sul, no comando do Reino das Duas Sicílias retornou Ferdinando IV de Bourbon (do ramo de Nápoles), o qual assumiu o nome de Ferdinando I. Apenas o Reino da Sardenha, que compreendia, além da ilha, a região do Piemonte e da Ligúria, manteve a autonomia em relação à Áustria e era comandado pela dinastia de Sabóia.
Antonio de Ruggiero é professor de Italiano da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, pesquisador de História e autor da tese “Emigranti toscani nel Brasile meridionale (1875-1914)” (Universidade de Florença, 2011).
Saiba mais - Bibliografia
CONSTANTINO, Núncia Santoro de & FAY, Claudia Musa (Org.). Garibaldi, história e literatura. Perspectivas internacionais. Porto Alegre: Ed. PUC-RS, 2011.
Saiba Mais - Internet
Site oficial da celebração dos 150 anos da Unificação Italiana
www.italiaunita150.it
Colcha de retalhos
Antonio de Ruggiero