- Ação Libertadora Nacional (ALN), Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Comando de Libertação Nacional (Colina), Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). A partir de 1966, uma parte da esquerda brasileira criou diversas organizações destinadas a desenvolver a guerrilha no campo e nas cidades, como tática para enfrentar a ditadura. Começava o período que o historiador Jacob Gorender chamou de “imersão na luta armada”, e que duraria até 1972 – com a derrota dos grupos guerrilheiros pela ação repressiva do governo e um rastro de mortos, desaparecidos, presos, exilados e banidos. Como militantes de esquerda, muitas mulheres participaram desse processo.A guerrilha foi a experiência política por excelência nos países do Terceiro Mundo naquelas décadas de 1960 e 1970. Suas principais influências eram as guerras anticoloniais, principalmente na Argélia e no Vietnã, e a Revolução Cubana. Na América Latina, a luta armada surgiu para muitos como um caminho rumo à superação das desigualdades sociais, das injustiças, da violência nas áreas rurais, da dominação do imperialismo norte-americano e dos golpes militares. Diversas organizações com esse perfil se espalharam pelo continente. Os Tupamaros foram criados no Uruguai em 1962. No Chile, foi fundado em 1965 o Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). Em 1970 atuavam na Argentina os Montoneros e o Ejercito Revolucionario del Pueblo.No Brasil, as mulheres participaram de diferentes maneiras desses grupos revolucionários: dando apoio logístico, atuando em ações de agitação e propaganda, distribuindo panfletos e publicações clandestinas, além de realizar ações armadas. Algumas se sobressaíram na história e principalmente na memória da militância. As trajetórias de Iara Iavelberg, Vera Silvia Magalhães e Maria José Nahas refletem um pouco do que foi a participação feminina na guerrilha.Paulista de família judia, Iara Iavelberg (1944-1971) era uma moça rica, bonita, inteligente e culta. Casou-se muito jovem, aos 16 anos, com um médico judeu, de quem se separou três anos depois. Em 1963, entrou para a Faculdade de Psicologia da USP, onde iniciou sua militância política. Iara ingressou na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (ORM-Polop), grupo de esquerda que pregava a imediata revolução socialista no Brasil. Mas a Polop caracterizava-se por uma orientação essencialmente teórica, e Iara queria ação. Buscou então aproximar-se das organizações guerrilheiras.Em 1969, conheceu Carlos Lamarca. Capitão do Exército brasileiro que havia abraçado o socialismo, ele desertara e tornara-se um dos principais dirigentes da Vanguarda Popular Revolucionária. Iara e Lamarca se apaixonaram e a saga do casal de guerrilheiros tornou-se um símbolo da luta militante. Em 1971, os dois estavam juntos no MR-8 e tomaram o caminho do interior da Bahia, com o objetivo de construir um núcleo de ação rural na região. Foi naquele estado que o casal acabou morto pelas forças da repressão: o assassinato de Iara aconteceu em um prédio no bairro da Pituba, em Salvador, enquanto Lamarca teve seu fim no município de Pintada. A imagem da guerrilheira cercada, sozinha e eliminada pelos soldados da ditadura foi imortalizada em filmes e narrativas que remontam a história da personagem.Vera Silvia Magalhães (1948-2007) vinha de uma família de classe média, foi aluna do Colégio Andrews, na zona sul carioca, e em 1967 ingressou no curso de Economia da UFRJ (que não completou devido às atividades políticas). Inteligente e carismática, a militante integrou o MR-8 e participou de inúmeras ações armadas, como assaltos a bancos, a postos de gasolina e a supermercados para arrecadar fundos para as organizações. Virou notícia nos jornais a personagem “loura da metralhadora”, que participava de ações armadas disfarçada com uma peruca. Na verdade não era apenas uma, mas várias guerrilheiras que adotaram o disfarce. Vera foi uma delas.Em setembro de 1969, ela participou do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, realizado em conjunto pelo MR-8 e pela ALN. Foi presa em março do ano seguinte e violentamente torturada. Poucos meses depois foi libertada, junto com outros 39 presos políticos, em troca do embaixador alemão Von Holleben, sequestrado pela VPR.As imagens de Vera pronta para embarcar no avião que a levaria para o exílio, fraquíssima, sem conseguir andar, depauperada pela tortura, impactaram o mundo inteiro. Banida do Brasil, ela viveu em vários países, estabelecendo-se por mais tempo na França. Voltou após a lei de anistia de 1979, vivenciando a partir de então inúmeras dificuldades e problemas de saúde, assim como surtos de depressão atribuídos por seus companheiros a sequelas da violência física e psicológica que sofreu. Apesar disso (ou talvez por causa disso), exercia grande atração sobre amigos e colegas de geração que viveram com ela a experiência da guerrilha em território nacional.Outra “loura da metralhadora” submetida aos aparatos da repressão foi Maria José Nahas, conhecida como Zezé. Nascida em 1945 na Zona da Mata mineira, mudou-se para Belo Horizonte para estudar. Ingressou na Faculdade de Medicina em 1966 e entrou imediatamente para a luta armada, militando no Comando de Libertação Nacional (Colina). Em seu depoimento para o acervo “Marcas da Memória” (lançado em livro pela Universidade Federal de Pernambuco), Zezé comenta como a vida pessoal e a militância política estavam sempre misturadas. Seu marido, Jorge Nahas, era dirigente da Colina, e a vida matrimonial acontecia entre reuniões políticas e ações armadas.Junto com outros integrantes da organização, Zezé foi presa em janeiro de 1969. Em junho do ano seguinte também estava no grupo trocado pelo embaixador alemão. Durante o ano e meio em que ficou presa passou por torturas severas. Sua experiência atrás das grades teve uma especificidade cruel: ela foi uma das que aguentaram por mais tempo o isolamento carcerário, um tipo de tortura psicológica que muitas vezes leva o preso a surtos de loucura: “Eu sempre ficava isolada. Na cela de castigo, na surda da penitenciária de mulheres, eu fiquei cinco meses isolada. Mas quando você tem certeza daquilo que você está fazendo, você encontra mecanismos de defesa. É incrível como você mobiliza força que você não sabe que tem”, narrou. Banida do país, Zezé foi para Cuba, onde viveu, estudou e trabalhou em hospitais até retornar ao Brasil, depois da Lei de Anistia. Atualmente ela vive em Belo Horizonte.Após o fim da luta armada, as mulheres brasileiras se engajaram na luta pelas liberdades democráticas, que contou com importante participação do Comitê Feminino pela Anistia. Com o avanço da transição política, outra mobilização se colocou: os movimentos feministas, influenciados por militantes que voltavam do exílio e levantavam as bandeiras de emancipação das mulheres. As armas então passaram a ser outras.Gostaria de finalizar este artigo com uma homenagem a uma ex-guerrilheira que faleceu na semana em que este texto era redigido: Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte de Petrópolis (centro clandestino de detenção e tortura de presos políticos), incansável ativista pela memória, a verdade e a justiça. Inês morreu aos 72 anos, no dia 27 de abril de 2015.Maria Paula Nascimento Araujo é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora de A Utopia Fragmentada: novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970 (FGV, 2000) e coautora de Marcas da Memória: história oral da anistia no Brasil (UFPE, 2012).Saiba MaisCARVALHO, Luiz Maklouf. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Globo, 1998.FERREIRA, Elizabeth Xavier. Mulheres, militância e memória. Rio de Janeiro: FGV, 1996.FilmesA memória que me contam (Lucia Murat, 2012)Em busca de Iara (Flávio Frederico e Mariana Pamplona, 2013)SitesGrupo Tortura Nunca Mais: www.torturanuncamais-rj.org.brProjeto Memórias Reveladas: www.memoriasreveladas.gov.br
Vida de guerrilheira
Maria Paula Nascimento Araujo