- Quando Getulio Vargas declarou a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, em 31 de agosto de 1942, a primeira-dama já tinha assumido seu papel no conflito: três dias antes, Darcy Vargas fundara a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e estava à frente da sua presidência. A missão da instituição era mobilizar mulheres para “amparar os soldados e seus familiares”.“Trabalhe pela Vitória do Brasil”, era o chamado da LBA. Suas voluntárias, “nobres filhas deste grande país”, teriam que fazer sacrifícios em nome da pátria, “pelo engrandecimento de nossas forças, para o encorajamento dos que talvez tenham de seguir para as linhas de frente, na defesa da Pátria e das instituições livres do mundo”. Surgia ali um novo conceito de feminilidade no Brasil: a mulher participativa, cooperativa, solidária com a luta dos homens.Para organizar sua legião, a esposa de Vargas estabeleceu um acordo de cooperação: aos homens, representados pela Confederação Brasileira das Indústrias e pelo Estado, caberia o financiamento da instituição que ela criara. Às mulheres, a execução do projeto. Iniciada no Rio de Janeiro, a mobilização logo se disseminou para outras regiões. Darcy Vargas conclamava as esposas dos governadores para que abrissem um posto da LBA em seus estados e assumissem a coordenação dessas entidades. Construía-se, assim, a imagem da primeira-dama como responsável por políticas de assistência social nas cercanias do Poder Executivo (papel que prosseguiria com elas depois de acabada a guerra).Outra estratégia de Darcy Vargas foi criar um “ministério feminino” composto pelas esposas dos homens públicos que participavam do governo de seu marido. Com elas, a primeira-dama abriu diferentes frentes de atuação para as voluntárias da LBA. Entre agosto e dezembro de 1942, a instituição promoveu cursos preparatórios. Um deles foi o das voluntárias da alimentação, ligado à campanha “Horta da Vitória”. O objetivo era transmitir às donas de casa conhecimentos sobre produção, preparo e aproveitamento dos alimentos. O cartaz da campanha foi criado por Candido Portinari e publicado na revista Sombra: o “V” da Vitória ocupando o primeiro plano da imagem, com plantações ao fundo. Na revista O Cruzeiro, a reportagem “Jardins da Vitória” reforçava a mensagem: “Uma horta em cada quintal é o lema de guerra para as donas de casa”, explicando que a “dificuldade nos transportes deixa as cidades com menos verduras e frutas do que habitualmente se necessita e as vitaminas são indispensáveis”.Com a convocação dos homens pelos quartéis, onde ficavam até a partida para o front, o sustento e a administração familiar passaram por sérias mudanças. A Legião Brasileira de Assistência começou, então, a ensinar para esposas e mães maneiras de enfrentar as dificuldades no sustento dos filhos. Se até o início do conflito mundial os papéis de gênero estavam bem definidos, a ausência dos pais de família (a maioria pertencente às camadas mais pobres da população) levou ao surgimento de um novo perfil de esposa: a que deveria arcar sozinha com tudo o que dizia respeito aos filhos.Durante a etapa de preparação dos homens nos quartéis, a LBA fez uma campanha pela obtenção de livros para os soldados. Com os cerca de 45 mil volumes arrecadados foi montada a “biblioteca do combatente”, sob a forma de caixas-estantes, cada uma com cerca de 50 livros de vários gêneros. As voluntárias fizeram circular as estantes entre as tropas nos quartéis e, em junho de 1944, o acervo seguiu com eles para o front.Com os soldados já no campo de batalha, foi a vez da campanha “Madrinhas do Combatente”, que convocou mulheres para trocar correspondências com os soldados. Além das namoradas, esposas e noivas, houve “madrinhas” adolescentes, jovens e senhoras casadas anônimas. As cartas diminuíam distâncias, traziam notícias de casa e, por meio delas, os soldados tinham a quem dizer o que lhes faltava, como roupas e acessórios para o frio europeu. Longe de suas famílias, solitários e carentes, eles tinham nessa troca de mensagens um contato com o mundo que haviam deixado para trás. Além disso, aquela era uma forma de se relacionar com as mulheres, provavelmente acalentando sonhos, desejos e fantasias sentimentais ou sexuais.Nas cidades, em particular, no Rio de Janeiro, houve um grupo responsável por cuidar dos “bens da nação” (edificações e população) em caso de bombardeios: eram as voluntárias da Defesa Passiva-Antiaérea. Vestiam-se com uma versão feminina dos uniformes dos soldados e atuavam nos blackouts que se tornaram frequentes na capital, como exercícios para a população se proteger. No trabalho dessas mulheres está a origem da Defesa Civil, como a conhecemos hoje.Estima-se que mais de mil voluntárias atuaram nas campanhas da LBA, em sua maioria jovens e pertencentes aos segmentos da elite.A Segunda Guerra foi um período de transformações nas relações entre homens e mulheres no Brasil, e no próprio papel das figuras femininas, fortalecendo-as. Antes mesmo de as tropas militares embarcarem, a batalha já era diária em território nacional. E tinha mulheres na linha de frente.Ivana Guilherme Simili é autora de Mulher e política: a trajetória da primeira-dama Darcy Vargas (1930-1945), (Edunesp, 2008).Saiba MaisCYTRYNOWICZ, Roney. Guerra sem Guerra. A mobilização em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Geração Editorial/ Edusp, 2000.GOELNNER, Silvana Vilodre. Bela, maternal e feminina: imagens da mulher na Revista Educação Physica. Ijuí (RS): Ed. Unijuí, 2003.PINSKY, Carla Bassanezi & PEDRO, Joana Maria (orgs.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.
Voluntárias pela vitória
Ivana Guilherme Simili