Uma vez por semana, o pedreiro Pedro Carrero, 30 anos, sai do serviço e bate ponto em outro local no Centro do Rio de Janeiro. Chegando à Rua da Carioca 49, mete a mão no bolso da bermuda com manchas de tinta e entrega seus suados nove reais à bilheteira. Poucos minutos depois, um homem que prefere não se identificar segue o ritual: do bolso do paletó, saca a carteira e dá a mesma quantia antes de girar a roleta.
“Aqui vem do office-boy ao executivo”, diz Raul Pimenta Neto, bisneto do fundador e atual administrador do Cine Íris. Mais antigo cinema da cidade ainda em funcionamento e um dos últimos de rua que resistiram à chegada dos shoppings, o antigo Cinema Soberano acaba de completar 100 anos. E deve a façanha da longevidade à sua inusitada programação.
De segunda a sábado, um variado repertório de filmes pornô toma o telão, das 10h às 21h30. O projetor só descansa quando as discípulas de Lady Ágatha sobem ao palco, em três shows diários de strip-tease. Com o valor do ingresso, o espectador pode passar o dia rodando os quatro andares do prédio. “São nove reais bem pagos”, garante Pedro.
A opinião do pedreiro parece ser compartilhada por muitos. A cada dia, o entra e sai do Íris contabiliza uma média de 500 pagantes. Nada mau para um estabelecimento que há três décadas assiste ao fechamento em série dos cinemas de rua. “Com essa crise, o público caiu uns 40%. Praticamente todas as salas aqui do Centro fecharam. Nós conseguimos nos manter com os shows”, ensina Raul Neto.
Antes de optar pelo pornô, o cinema exibiu filmes de kung-fu, bang-bang e pornochanchadas. Até que em 1979, em plena ditadura, chegaram as primeiras produções assumidamente eróticas. Três anos depois, as dançarinas se instalavam na casa para evoluir no palco. A censura chiou, alguns passantes torceram o nariz, mas, a cada veto, Neto conseguia uma liminar na Justiça para manter intacta a programação.
“Era uma época de muito moralismo, as pessoas não aceitavam. Mas começaram a vir aos poucos”, recorda. E não pararam mais. Hoje, milhares de pessoas passam em frente ao Cine Íris indiferentes ao enorme cartaz que anuncia as atrações.
Uma vez por mês, um público jovem também invade o casarão histórico em festas que acontecem ali há dez anos. Aproveitando a arquitetura pomposa do local, Neto aluga o espaço para comemorações e gravações de comerciais, filmes e novelas, o que faz uma diferença no orçamento mensal.
E assim segue o Cine Íris, resistindo ao tempo e ao vento. Se depender do público fiel que, faça sol ou faça chuva, não para de chegar, ele ainda dura bons anos. “Aqui é muito melhor. Em que shopping vou encontrar isso tudo?”, pergunta Pedro Carrero, antes de se entregar à apreciação de Lady Ágatha.
A arte de resistir à crise
Bernardo Camara