A balsa de Noé

Angélica Fontella

  • Cinco dias, quatro pessoas e 1.000 talos. Desse somatório resultou a Balsa de Buriti, uma réplica das embarcações usadas até a década de 1980 nos arredores de Marabá, sudoeste do Pará. Fruto do Projeto Balsa Buriti – Preservando a Memória Fluvial, promovido pela Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM), a iniciativa foi uma das ganhadoras do 27º Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, do Iphan, e hoje está exposta no pátio da instituição.

    A ideia de reconstruir o meio de transporte fluvial utilizado por seus antepassados partiu do diretor da Fundação que, ironicamente, se chama Noé. Diferentemente do personagem bíblico, Noé von Atzingen voltou seus esforços para resgatar a memória da região, uma vez que as balsas de buriti originalmente conduziam famílias inteiras e seus pertences pelo rio Tocantins. Da cidade de Carolina (TO) até Marabá, funcionava como uma espécie de caminhão: fazia mudanças, levava cereais, frutas e animais de corte que abasteciam cidades ribeirinhas. “Depois de retirado o material transportado, as balsas eram soltas rio abaixo, ou então tinham os talos de buriti removidos para o reaproveitamento em cercados de casas e chiqueiros”, explica Marlon Prado, arqueólogo gestor da FCCM.

    Noé está contente com o resultado: “A motivação para o trabalho foi o desejo de resgatar esta parte da história de Marabá”, diz ele. Realizado em 2013, o projeto incluiu uma série de ações além da construção da balsa. Em 11 municípios foram realizadas palestras sobre educação patrimonial e ambiental, durante os dez dias de viagem: os coordenadores do projeto atracaram nos portos fluviais a bordo da balsa, que navegou rio abaixo como nos velhos tempos. Entusiasmada, a população das cidades aguardou em festa a chegada da embarcação.

    A visita contou também com aulas sobre o processo de construção da balsa. Bruno Scherer, outro coordenador do projeto, foi quem dividiu essa experiência com os moradores. “Em nenhum momento utilizamos cordas, pregos ou qualquer material artificialmente produzido, seguimos a risca cada detalhe de relatos e da pintura de Pedro Morbach, para assim construir uma réplica perfeita”, conta.

    Scherer explica que, quando começou a traçar a maneira como a balsa seria construída, a equipe contava apenas com relatos de moradores e um desenho feito a nanquim em 1987 pelo artista paraense Pedro Morbach (1936-2012), obra do acervo da FCCM. Mais tarde, receberam uma fotografia sem data que contribuiu para nortear a produção da balsa de Noé. Foram 359 quilômetros percorridos em homenagem ao centenário da cidade de Marabá.