Tem gente que entra na Biblioteca Nacional para ver foto. Tem gente que entra para procurar notícia velha. Tem gente que tem prazer em decifrar manuscrito. Algumas pessoas usam a biblioteca para dar uma cochilada. Outras, para fugir do calor na rua. E tem até quem entre no edifício para ler um livro. Pouco importa o motivo: todos que entram na BN saem, de alguma forma, mudados.
Ou quase todos.
Em 4 de março de 1923, Rui Barbosa saiu da Biblioteca Nacional do mesmo modo como entrara dois dias antes: em um caixão. O intelectual – que era senador, jurista, jornalista e diplomata – foi o primeiro homem a ser velado na câmara fúnebre da instituição. O evento seria repetido 80 anos depois, com o corpo do poeta Waly Salomão, em 2003.
Em 1923, a idéia do local para o velório partiu do educador Afrânio Peixoto, como forma de homenagear a cultura de Rui Barbosa. De fato, não havia lugar melhor: em 1918, a instituição já instalara um busto em sua homenagem. João Felipe Gonçalves, pesquisador do CPDOC da Fundação Getulio Vargas, escreveu, no texto “Enterrando Rui Barbosa”, que “Rui era celebrado pela sua cultura vasta, consagrado como um depositário do saber nacional, e por isso era como a versão humana da Biblioteca. Ambos eram a conciliação perfeita da idéia de cultura e nação”.
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Chegando à Biblioteca, o caixão foi carregado por quatro ministros de Estado, pelo prefeito do Distrito Federal e pelo vice-presidente do Senado. Mas a participação popular também foi grande. À chegada do cortejo fúnebre, centenas de pessoas lotavam as escadarias da Biblioteca e do Theatro Municipal. No entanto, essas pessoas tiveram que esperar até o dia seguinte para visitar o caixão. E, mesmo assim, eram obrigadas a entrar na Biblioteca pelas portas laterais – a entrada principal estava reservada somente a políticos, militares e intelectuais.
Nos dois dias em que o corpo de Rui Barbosa foi velado, a Biblioteca Nacional viveu um alvoroço político. Os homens mais influentes da nação passaram por lá, de altas patentes militares ao presidente Arthur Bernardes. A decoração da câmara fúnebre era majestosa, e o busto do intelectual foi envolto na Bandeira Nacional. Após o prolongado velório, o corpo foi finalmente levado para o Cemitério São João Batista, em Botafogo.
Nos dois dias em que foi velado na Biblioteca Nacional, o corpo de Rui Barbosa permaneceu intocável dentro do caixão. Mas o ritual serviu para demonstrar a importância que ele tinha para o país. Não era um velório qualquer. Era o velório de um homem que, a partir daquele momento, elevava-se definitivamente à condição de figura imortal no imaginário nacional.
(Por Roberto Kaz)
A câmara ardente da Biblioteca Nacional
Roberto Kaz