A casa de Cabangu

Juliana Barreto Farias

  • Você já ouviu falar do Museu de Santos Dumont? Não o de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, mas o que fica na cidade onde ele nasceu, passou os primeiros anos da infância e ainda morou no fim da Enquanto os objetos pessoais de Santos Dumont permanecem em sua antiga residência, uma réplica do 14 Bis foi instalada no parque histórico. (Fundação Casa de Cabangu)vida. Quase escondido dos olhos do público, a cerca de 220 quilômetros de Belo Horizonte, a Fazenda Cabangu, no município mineiro de Santos Dumont, guarda um acervo precioso do genial inventor brasileiro.

    A família Dumont chegou àquela região da Serra da Mantiqueira em 1872, quando o engenheiro Henrique Dumont foi comandar as obras de construção da estrada de ferro que cortava os vilarejos de João Gomes (atual Santos Dumont) e João Aires. Um ano depois de instalada no lugar conhecido como Cabangu, nasceu Alberto, sexto filho do casal Henrique e Francisca. Mas os Dumont só ficaram ali até 1875. E a casa virou um simples ponto de apoio para os trabalhadores da ferrovia.

    Até que, em 1919, Alberto Santos Dumont, já famoso por seus inventos, decidiu retornar à casa natal. Ganhou o imóvel de presente do governo e se tornou um verdadeiro criador de gado. Em meados da década de 1920, teve que deixar Cabangu para tratar da saúde na Europa. Mesmo distante, não escondia o desejo de que o local fosse preservado e doado à nação. Depois de sua morte, em 1932, a população do vilarejo atendeu ao último pedido do filho ilustre. Uma comissão liderada pelo jornalista Oswaldo Castelo Branco se empenhou na transformação da velha residência num museu. Mas o projeto só saiu do papel muito tempo depois. Embora criado pelo governo de Minas em 1956, o parque histórico só foi oficialmente inaugurado em 1973.

    À frente da instituição, Castelo Branco recuperou peças antigas e adquiriu outras tantas em vários cantos do país. No interior da casa e ao redor do parque, espalhou réplicas de aviões, o motor original do primeiro balão, cama, escrivaninha, cartola, óculos e mais objetos do aviador.  Mas nem tudo ficou no Cabangu. “Como o terreno da fazenda é muito úmido, não havia condições de deixar ali livros de estudo, cartas e fotografias. Essa documentação ficou até 2006 num quarto em nossa casa, onde, durante muito tempo, não tivemos permissão para entrar”, conta Mônica Castelo Branco, filha do jornalista e atual coordenadora do museu.

    E seu pai tinha mesmo motivos para não deixar os filhos pequenos brincarem ali. No meio daquele acervo havia registros preciosos, como sete cartelas de papelão com seqüências de 12 a 18 fotografias dos inventos de Santos Dumont, organizadas pelo próprio aviador. “Esses documentos esclarecem detalhes das peças que, mesmo com a ajuda do Museu Paulista e de outras instituições, não tínhamos conseguido resolver”, afirma João Luiz Musa, fotógrafo e professor da USP, que usou essa documentação no livro Alberto Santos Dumont: eu naveguei pelo ar.

    Mesmo com tantos atrativos, o lugar – que conta com recursos municipais e suporte do Ministério da Aeronáutica – ainda continua pouco conhecido. Mônica Castelo Branco acredita que a distância (são 16 quilômetros do centro da cidade até lá) e o pouco incentivo ao turismo no município contribuem para isso. “As próprias pessoas daqui quase não conhecem o museu. E nossos administradores ainda não vêem a cidade como um atrativo histórico”. João Musa acha que falta é investimento do governo. “Em qualquer lugar do mundo, alguém como Santos Dumont teria um enorme apoio”.