Já raiou no horizonte historiográfico do Brasil um novo conjunto de perspectivas sobre o momento “fundador” da nação, ou seja, a Independência. Pelo menos no meio universitário (apesar de exceções), antigos lugares-comuns não encontram mais guarita. Será ainda possível atribuir ao voluntarismo de um personagem, como o príncipe Pedro por meio de um gesto, o surgimento de uma nação? Ou então: como negar a existência em corpo nacional de uma sociedade complexa pelo fato de que não é o país dos nossos sonhos e desejos e nem é totalmente homogêneo? Será que o Brasil não teria ainda hoje conquistado sua Independência? Neste caso, estaríamos proibidos de contar anedotas de português...A historiografia tradicional sobre o tema – monarquista, romântica e nacionalista – ainda prevalece no senso comum, na transmissão didática e nos meios de comunicação de massa. Nossa memória coletiva quase automaticamente visualiza a cena pictórica do Grito do Ipiranga e a data do 7 de setembro, seja para criticá-las ou reproduzi-las. Entretanto, acumulam-se expressivas reflexões e pesquisas acadêmicas que produzem novas compreensões sobre a Independência do Brasil.
Pode-se marcar esta linhagem inovadora nas pioneiras análises marxistas de Caio Prado Jr, Nelson Werneck Sodré e outros ampliando e redimensionando a mesma trilha. Na época do 150º. aniversário da proclamação (em 1972), uma obra coletiva organizada por Carlos Guilherme Mota (1822: Dimensões) consolidou novo patamar nesta área de conhecimento. E mais recentemente, um livro organizado por István Jancsó (Independência: História e Historiografia, Hucitec, 2005), com 934 páginas e 23 autores de variadas instituições, fez não apenas um balanço atualizado e amplo, mas lançou novas bases para o assunto já tão visitado, embora ainda enigmático e inexplorado em vários aspectos.
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É nesta conjuntura de se repensar a nação em seus mais diversos aspectos que surge, em mais uma contribuição efetiva e original, o livro A Independência Brasileira – Novas Dimensões, organizado pelo historiador Jurandir Malerba, resultado impresso de um seminário realizado no Centre for Brazilian Studies, da Universidade de Oxford (Inglaterra), em 2003. Dividido em quatro partes, que contemplam as raízes históricas, o período joanino (1808 – 1821), a regência e o início do reinado de D. Pedro (1821-23) e a relação com a América espanhola, o livro traz ainda, como introdução, um esboço crítico da recente historiografia sobre a Independência do Brasil. São doze autores – principalmente brasileiros, mas também portugueses e anglo-saxônicos – que abordam o tema sob enfoques diversos. No fim do volume, um apêndice cronológico.
Nada mais difícil e impressionante do que fazer a história da nação, de seus momentos fundadores e das narrativas que buscam fixá-la, perpetuá-la e dar-lhe um sentido. A mitologia se entrelaça aos dados empíricos e os pontos de vista de cada um, no presente, definem o olhar sobre o passado. Os autores desta coletânea, entretanto, têm em comum a virtude de superar tais desafios e lançar indagações estimulantes, afirmações inovadoras, baseados em leituras sólidas e análises algumas vezes inéditas. A economia política, as revoltas, a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, a formação das elites e a consolidação de poderes, a presença das camadas pobres e a diversidade regional são alguns dos assuntos abordados, de maneira segura e aprofundada, por especialistas de renome em cada uma das áreas.
Marco Morel é professor de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
A Independência Brasileira – Novas dimensões
Jurandir Malerba (org.)