A língua de Goethe na política

Igor Gak

  • Fotografia da Sociedade de Artistas Alemães e Amigos das Belas Artes (a Pro Arte), fundada em 1931.Tornar o idioma alemão atraente aos brasileiros: esta era uma missão estratégica da política cultural exterior da Alemanha para o Brasil após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). O objetivo era afastar a língua alemã do estigma da guerra e aproximá-la do campo das ciências e das artes, além de associá-la aos principais avanços tecnológicos do período. Por trás da criação dos cursos de alemão, estava a intenção de construir na sociedade brasileira um ambiente favorável para a difusão dos bens culturais germânicos. Com o tempo, a sombra da guerra voltaria a influenciar essa política.

    Desde o início dos anos 1920, grupos de intelectuais brasileiros promoveram a criação de associações culturais para estreitar as relações entre Brasil e Alemanha. Em 1922, por exemplo, foi criada no Rio de Janeiro a Sociedade de Amigos da Cultura Alemã, uma iniciativa privada e independente que contava com o apoio da Legação Alemã – representação diplomática na então capital federal. O apoio era mais político do que financeiro, pois a Alemanha do pós-guerra encontrava-se em calamitosa situação econômica. Cinco anos depois, o então chefe da Legação, Hubert Knipping (1868-1955), encaminhou um levantamento das ações culturais de outras nações no Brasil como forma de pressionar seu governo a investir num programa de política cultural específico para o país. Especialmente preocupantes eram as influências francesa, norte-americana e italiana. Para combatê-las, Knipping solicitou ao Ministério do Exterior da Alemanha que colocasse à sua disposição verbas anuais estritamente para ações culturais. Cerca de 45% desses recursos seriam destinados exclusivamente ao ensino da língua alemã.

    Com a aprovação do novo financiamento, outras instituições surgiram, entre elas o Instituto Teuto-Brasileiro de Alta Cultura, em 1930, e a Sociedade de Artistas Alemães e Amigos das Belas Artes “Pro Arte”, no ano seguinte. Estes institutos criaram salas de leitura e organizaram eventos culturais, como festivais de música clássica, exposições de arte, círculos de literatura alemã e palestras de cientistas e intelectuais alemães de passagem pelo Brasil. Mas, principalmente, ofereciam cursos de alemão, cujos alunos representavam grande parte do público presente nos outros eventos. Abriram-se cursos de norte a sul do país. Em Salvador e no Recife, eles eram oferecidos nos prédios das escolas alemãs e também na Faculdade de Direito. O objetivo era atrair estudantes universitários, formando possíveis candidatos a um período de estudos na Alemanha. No Rio, cursos da Pro Arte e do Instituto Teuto-Brasileiro também eram disponibilizados no Instituto Nacional de Música e na Escola Politécnica, de olho em estudantes e professores de música e engenharia. Em São Paulo, as aulas chegaram às salas da Escola Paulista de Medicina.

    O golpe de Estado liderado por Getulio Vargas, em novembro de 1937, e a campanha nacionalista que se seguiu não permitiram que os cursos se estabelecessem em algumas cidades do sul, como Curitiba e Florianópolis, onde crescia uma onda de xenofobia.

    Para fazer frente aos pesados investimentos do governo francês no ensino do idioma – por meio da Aliança Francesa e de institutos culturais – a Alemanha concedeu grandes subsídios à organização dos cursos no Brasil. Isto permitiu que fossem cobradas somente taxas semestrais de matrícula, que variavam de 5 mil réis, em Florianópolis, a 20 mil réis, no Rio de Janeiro. O financiamento vinha dos “fundos para ações político-culturais”, destinados pelo Ministério do Exterior à representação diplomática no Rio de Janeiro. Durante o Terceiro Reich (1933-1945), o partido nazista também passou a financiar tais atividades, por meio da sua Organização para o Exterior (Auslandsorganisation der NSDAP). Com o atrativo do baixo custo, os cursos de língua alemã já contavam, em 1936, com mais de 3 mil alunos no estado de São Paulo e pouco mais de 800 na cidade do Rio de Janeiro.

    A Academia Alemã (Deutsche Akademie) era a instituição responsável por organizar os cursos, enviar professores alemães para dirigi-los, fornecer material didático e oferecer treinamento e atualização aos professores em Munique. O Instituto Goethe, criado em 1932 como um departamento da Academia Alemã, era o responsável pela preparação de material didático. Até 1937, os cursos utilizavam exclusivamente o livro Wir lesen Deutsch (“Nós lemos alemão”). Naquele ano, Anton Klaus, professor do Instituto Teuto-Brasileiro, publicou Deutsch für Brasilianer, um método específico para ensinar “alemão para brasileiros”. Em 1935, a Pro Arte do Rio de Janeiro já havia tentado criar um método de ensino de alemão para brasileiros no suplemento linguístico “Estuda a minha língua, que estudarei também a tua”, publicado trimestralmente na revista Intercâmbio – Vozes Brasileiras, Vozes Alemãs. Contendo textos de poesia e canções alemãs com suas traduções para o português, tarefas de gramática e conjugação verbal, pretendia também ser um método não presencial de aprendizagem. Como complementação, todas as terças, quintas e sábados ao meio-dia eram veiculadas aulas de alemão no programa “Hora alemã”, pela Rádio PRH-8, “A voz de Copacabana”, ou Rádio Ipanema, como também era conhecida.

    Os grandes eventos atraíam estudantes para os cursos de alemão. Em 1935, foram oferecidos cursos rápidos exclusivamente para aqueles que desejavam viajar para a Alemanha a fim de assistir aos Jogos Olímpicos de Berlim, no ano seguinte. Mas era sobretudo nos meios científicos e universitários que os cursos de alemão esperavam se estabelecer. O objetivo era que os estudantes manifestassem interesse de passar por um período de estudos na Alemanha, onde teriam contato com os meios acadêmicos e com as indústrias e os desenvolvimentos tecnológicos daquele país. Quando retornassem ao Brasil, esperava-se que atuassem como representantes dos “interesses alemães”, contribuindo para aumentar a influência cultural e, quem sabe, abrindo possibilidades de exploração econômica.

    Em janeiro de 1937, a criação do Instituto Brasil-Estados Unidos (Ibeu) trouxe mais um ator para esse disputado cenário, demarcando o crescimento da influência cultural norte-americana no país. A Alemanha reagiu logo em março, tentando estabelecer um acordo entre o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) e o governo brasileiro. Como exigência para a candidatura ao intercâmbio, era necessária a apresentação prévia de um atestado sobre os conhecimentos da língua alemã, que só poderia ser conferido pelos cursos oferecidos pela Academia Alemã no Brasil. A proposta do DAAD ficou sem resposta. Apesar disso, os cursos de alemão continuaram recebendo estudantes universitários e profissionais de diversas áreas, principalmente médicos e engenheiros, que em certos casos seguiram para a Alemanha para participar de cursos e pesquisas, ou simplesmente fazer turismo. Mesmo que os cursos não cobrassem mensalidades e fossem oferecidos em diversos institutos, seu público-alvo era a elite intelectual, representada por estudantes universitários, profissionais liberais e empresários.

    No entanto, o rompimento das relações entre Brasil e Alemanha, em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, impediu a continuação das atividades. Muitos dos professores que atuavam nesses cursos foram obrigados a voltar para a Alemanha, ou ocuparam postos em países não beligerantes. Foi o caso do diretor dos cursos de alemão de São Paulo, Hans Werner Wasmuth (1909-?), que assumiu a coordenação de um dos cursos da Academia Alemã em Madri, na Espanha. Somente nos anos 1950, com a retomada das relações diplomáticas entre os dois países, os brasileiros teriam de novo a oportunidade de aventurar-se nos territórios da língua de Goethe.

     

    Igor Gaké autor da tese “Nazi Soft Power – Análise da política cultural exterior alemã para o Brasil durante o Terceiro Reich” (Freie Universität Berlin, 2014).

     

    Saiba Mais

     

    SUPPO, Hugo Rogelio & LESSA, Mônica Leite (orgs.). A quarta dimensão das Relações Internacionais: a dimensão cultural. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2012.

     

    Internet


    CÂNDIDO DA SILVA, André Felipe. A trajetória científica de Henrique da Rocha Lima e as relações Brasil-Alemanha. Tese de doutorado, PPGHCS – Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro, 2011. 

    http://www.fiocruz.br/ppghcs/media/tese_andre_felipe.pdf