A Meca da reciclagem

Roberto Kaz

  • O Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, no município de Duque de Caxias, é o destino do lixo de cinco cidades da Baixada Fluminense, além de 85% dos detritos produzidos na cidade do Rio de Janeiro. São oito mil toneladas diárias de lixo. Estima-se que entre duas e três mil pessoas trabalhem no local – ladeado por favelas – e que mais de 20 mil dependam dele.

    Em 2005, o aterro atingiu sua capacidade máxima. As montanhas de lixo chegaram a 80 metros de altura, correndo risco de desmoronamento. Devido ao peso, surgiram rachaduras no chão. Tentou-se fazer um novo lixão em Paciência, na Zona Oeste do Rio. A licitação não passou. Gramacho continua recebendo sua leva diária de detritos, mas com prazo de vida curto. Quando fechar, 20 mil pessoas – muitas criadas lá – perderão seu meio de subsistência.

    Com essa perspectiva em mente, alguns trabalhadores formaram em 2004 a Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, com apoio do Instituto Brasileiro de Inovações em Saúde Social (Ibiss). Em 2006, o Ibiss recebeu apoio da ONG canadense School Without Borders, que enviou verbas para a produção de um documentário contando a história do local feito pelos próprios catadores. O filme está sendo editado por Andrew Lenz, coordenador do projeto no Brasil, e fica pronto em março. Lenz conta que “todos os jornais e redes de TV já foram a Gramacho para retratar o local com uma ótica própria da mídia. Ficou claro que era preciso fazer esse filme com um olhar de dentro”.

    O documentário apresenta relatos dos moradores mais antigos de Gramacho, como Dona Lúcia, 45 anos, que vive no aterro desde os sete anos: “Minha mãe morreu no lixo, meu sobrinho morreu no lixo. E eu continuo no lixo. Se o aterro fechasse hoje, nós morreria de fome.”

    Dona Lúcia não exagera quanto à importância do aterro. Em fevereiro de 2005, a prefeitura de Duque de Caxias resolveu cobrar uma taxa ambiental por cada caminhão que depositava lixo em Jardim Gramacho. A Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro (Comlurb), que é dona do terreno, rejeitou a imposição e passou a usar aterros periféricos. Após três dias, a “matéria-prima” de Jardim Gramacho começou a minguar. Em protesto, cerca de 600 catadores foram até a prefeitura do Rio de Janeiro. Atendidos, voltaram numa espécie de romaria, guiando uma fila de caminhões cheios de lixo. Sebastião Carlos dos Santos, presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, conta que os moradores do local aplaudiam enquanto os caminhões passavam.

    Sebastião, 27 anos, mais conhecido como Tião, se diz “membro da terceira geração de catadores” – sua avó e sua mãe já exerciam a profissão. Tião está cursando o primeiro ano do segundo grau. Conta que o perfil dos catadores de Jardim Gramacho mudou muito desde que o aterro entrou em atividade, em 1978, e reflete a própria situação social do país:

    – No começo, o catador era completamente analfabeto. Trabalhar no lixo era a última instância do mundo. Com o aumento do desemprego, cresceu não só o número de catadores, mas a escolaridade deles também. Tem gente aqui que cata lixo para pagar a faculdade. A sociedade nos considera párias. Mas nós somos párias apenas entre aspas.