A moda ‘Brésil’

Sílvia Capanema P. de Almeida

  • Poucos brasileiros sabem, mas 24 universidades francesas oferecem cursos de Cultura Brasileira e História do Brasil. Este quadro é fruto de antigas afinidades, cultivadas há mais de 70 anos. Se hoje são os franceses que “importam” professores brasileiros e se interessam pela nossa cultura, no passado era o Brasil que “importava” franceses. De fato, a presença universitária francesa no Brasil, na área das Ciências Humanas, data de 1934, ano da fundação da Universidade de São Paulo, com a vinda ao Brasil, a partir de 1935, de jovens intelectuais, como Claude Lévi-Strauss, Pierre Monbeig e Fernand Braudel. O primeiro veio para fundar aqui a cátedra de Antropologia, Monbeig se encarregou da Geografia Social, e a responsabilidade pelo curso de História ficou com Fernand Braudel, então um jovem pesquisador e mais tarde expoente da Escola dos Annales, corrente responsável por inaugurar novas formas de pesquisa histórica, não ligada simplesmente ao estudo de grandes homens, de fatos políticos ou de eventos militares.

    No retorno desses professores a seu país, por volta de 1937, surgiu uma nova geração de pesquisadores e historiadores franceses voltados para o Brasil, como Frédéric Mauro, discípulo de Braudel, que defendeu tese sobre as relações entre Brasil, Portugal e o Atlântico no século XVII, tornando-se titular da primeira cátedra de História da América Latina na França, criada na Universidade de Paris X, Nanterre, em 1967. Frédéric Mauro orientou vários trabalhos dentro da sua linha de pesquisa. Em 1988 foi criada na Universidade de Paris IV, Sorbonne, uma cátedra exclusiva de História do Brasil, por iniciativa e com financiamento franceses. A historiadora Kátia Queirós Mattoso foi a primeira titular, tendo permanecido no posto durante dez anos. O historiador brasileiro Luiz Felipe de Alencastro assumiria depois a mesma cátedra. Atualmente, ele ensina História do Brasil para os níveis de graduação e pós-graduação.

    A cada ano letivo, na Paris IV, Sorbonne, a formação em História do Brasil conta com cerca de 60 estudantes cursando a graduação, 30 matriculados em cursos de mestrado e aproximadamente 15 fazendo doutorado. Segundo o professor Luiz Felipe de Alencastro, o fato de a cátedra ser uma das poucas na Europa situada numa universidade importante representa um atrativo a mais para estudantes de outros países, inclusive russos e africanos. Mas, além da Paris IV,  há na França outros centros de pesquisa também dedicados à História do Brasil, como a Universidade de Toulouse le Mirail, a Universidade de La Rochelle e a École des Hautes Études en Sciences Sociales – EHESS.

    Em 2005, o Ministério das Relações Exteriores da França, dentro do seu programa de temporadas culturais dedicadas a países estrangeiros, promoveu um grande evento homenageando o Brasil. O “Ano do Brasil na França”, realizado entre março e dezembro, provocou uma mobilização sem precedentes em comemorações do gênero. Ao todo, mais de 730 atrações brasileiras foram incluídas na programação oficial, entre mostras de cinema, dança, música e artes plásticas. Realizações anteriores, como as temporadas culturais dedicadas à China ou à Argélia, não tiveram a mesma repercussão na memória dos franceses nem cobertura tão intensa por parte da imprensa local.

  • Mas não foi só isso. O “Ano do Brasil” também repercutiu positivamente no mundo acadêmico, acabando por estimular a criação de um curso de extensão sobre História do Brasil no programa inter-âges da Universidade de Paris IV, Sorbonne, este destinado ao grande público, e reunindo pessoas de atividades diversas e até aposentados. Segundo Luiz Felipe de Alencastro, “o curso partiu da demanda dos próprios interessados”, e começou já com 350 inscritos. O interesse pelo Brasil cresceu também no campo das publicações universitárias. O número de maio/abril de 2006 da prestigiosa revista Les Annales: Histoire, Sciences Sociales trouxe um dossiê sobre o Brasil colonial. E Les Cahiers des Amériques Latines, também uma publicação de referência no meio acadêmico, dedica uma edição ao Brasil, com um dossiê pluridisciplinar sobre as relações entre França e Brasil no século XX.

    Nos departamentos de língua estrangeira registra-se, igualmente, um interesse maior pela cultura brasileira. Vinte universidades francesas oferecem formação superior em português, em cursos chamados de Língua, Literatura e Civilização Estrangeira (LLCE) ou Línguas Estrangeiras Aplicadas (LEA), este voltado para as áreas de economia, de direito e de tradução especializada. Nos dois casos, o currículo universitário prevê aulas de Civilização Brasileira.

    É nesse quadro das disciplinas de civilização que os professores contratados pelos departamentos ou seções de língua portuguesa podem explorar o estudo da cultura e da história do país. O público é formado, em grande parte, por filhos de imigrantes portugueses, uma das maiores comunidades estrangeiras da França, mas também por franceses, outros europeus e estudantes de diversas origens. O interesse inicial pela língua portuguesa muitas vezes é seguido de um aprofundamento sobre a formação cultural do Brasil, motivado por necessidades pessoais, acadêmicas, profissionais ou até relativas ao mundo dos negócios. É comum também encontrar um interesse crescente em estudantes latino-americanos e de origem africana, que buscam um prolongamento de seus estudos em outras áreas ou são atraídos pela diversidade cultural e pela imagem de país híbrido e mestiço que o Brasil sustenta no exterior.

    Mas como envolver e motivar esses estudantes que, na maioria das vezes, nunca puseram os pés no Brasil, falam outras línguas e têm hábitos universitários bastante diferentes dos nossos (quase não intervêm e geralmente só apresentam perguntas no fim das aulas)? A relação com o tempo presente e o questionamento dos estereótipos tornam-se necessários. O professor tem que estar atento às possibilidades oferecidas pelas novas comunicações, explorar o uso de imagens, do cinema, da imprensa, de revistas, da televisão e da Internet, mas sem perder de vista a atualização da historiografia brasileira.


  • À crítica de que o interesse pelo Brasil e pela América Latina seria tão-somente mais uma faceta, agora dissimulada, do velho “imperialismo cultural” francês, a professora Mona Huerta, doutora em História e presidente do Redial (Rede Européia de Informação e Documentação sobre a América Latina), rebate com outra crítica. “Ao mesmo tempo que a França pretende ser o centro da cultura e do saber, apresenta, progressiva e contraditoriamente, menos meios para ocupar esse lugar”, afirma. Segundo ela, “os investimentos franceses no campo universitário são cada vez menores, e os postos de professores e pesquisadores em Ciências Humanas são a cada dia mais escassos”.

    O Brasil, por sua vez, não investe como deveria para divulgar nosso país no exterior. Não existem na Europa centros de cultura brasileira como o Instituto Camões, de Portugal, o Instituto Goethe, da Alemanha, ou uma instituição semelhante à Aliança Francesa, que sempre marcou presença no Brasil. Maiores investimentos do governo brasileiro seriam fundamentais para manter o país em alta na França, já que a “moda Brasil”, assim como começou, pode muito bem acabar. Esta, pelo menos, é a advertência que faz o historiador Laurent Vidal, da Universidade de La Rochelle, segundo o qual, depois do grande sucesso do “Ano do Brasil na França”, é possível que sobrevenha um certo esfriamento, tal como uma quarta-feira de Cinzas depois do carnaval. “Talvez seja mais difícil publicar sobre o Brasil a partir de agora, depois de tanto se falar nele em 2005”, diz. “O efeito de moda tende sempre ao exotismo, e isso não atrai os pesquisadores, cujo objetivo é justamente negar essa visão”. Resta-nos esperar que novos investimentos
    e novas políticas entre os países sejam acertados, para evitar uma ressaca nos estudos de história e de cultura brasileiras antes mesmo da temporada cultural da França no Brasil, organizada pelos dois países e prevista para o período de setembro de 2008 a junho de 2009.
     

    Sílvia Capanema P. de Almeida é jornalista, professora-leitora no Departamento de Português da Universidade de Paris X, Nanterre, e prepara tese em História na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris.