A obsessão de Drummond

Revista de História

  • O poeta, cronista e contista Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) escreveu mais de 70 livros, participou de 11 obras em colaboração com outros escritores e ainda trabalhou em 17 jornais e revistas. O volume de sua produção literária é facilmente notado ao consultar sua bibliografia e a cronologia de sua obra: em 1918, aos 16 anos, Drummond teve seu primeiro poema em prosa, Onda, publicado no jornal Maio..., de sua cidade natal, Itabira, Minas Gerais. O número de obras revela um escritor compulsivo, mas a Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional guarda uma prova de que Drummond também era um leitor obsessivo. Trata-se do Dicionário de Pseudônimos Brasileiros.

    Em folhas de fichário de 16 x 22,5 cm, Drummond datilografou centenas de pseudônimos de escritores brasileiros associando-os com os nomes verdadeiros e os veículos onde eram publicados. Separados em ordem alfabética de pseudônimos, o visitante da Biblioteca Nacional pode se deparar com curiosas assinaturas, como a de d. Pedro I em uma carta no Diário do Governo, em 1823: “Anglo-maníaco, e por isso o Constitucional puro”; Gonçalves Dias, em artigos no Correio Mercantil, em 1849: “O gnomo”; ou de José de Alencar, no texto A corte do leão, escrito em 1867: “Um asno”. Para o neto do poeta, Pedro Drummond, o dicionário tem um grande valor literário e expõe uma das principais características de seu avô. “Ele era um arquivista nato”, garante Pedro.

    Além dos escritos datilografados, há manuscritos de Drummond à caneta e a lápis. Em vermelho, uma caligrafia se distingue da do poeta: são revisões do pesquisador José Galante de Sousa (1913-1986). A união dos autores está relacionada à origem do dicionário. O trabalho desenvolvido por Drummond integrava o grandioso projeto da Enciclopédia Brasileira que, junto com o Dicionário da Língua Nacional, era uma das principais metas do Instituto Nacional do Livro (INL), criado em 1937.

  • O pesquisador Ricardo Oiticica teve acesso ao dicionário quando escreveu sua tese de doutorado em Literatura (PUC-RJ), em 1997: O INL e as ditaduras – academia brasílica dos rejeitados. De acordo com seus estudos, a proposta do INL era publicar também obras subsidiárias da Enciclopédia, como o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, e o Dicionário de Pseudônimos e Iniciais – feito a partir do trabalho de Drummond. Oiticica destaca o fato de que o Dicionário não está completo. Para ele, o trabalho foi passado adiante pelo escritor para ser completado por Galante de Sousa com outros autores. Segundo Eliane Vasconcelos, coordenadora do Arquivo Museu de Literatura da Casa de Rui Barbosa, o próprio Galante de Sousa escreveu um Dicionário de Pseudônimos Brasileiros que também não foi publicado.

    Para o pesquisador drummondiano Antônio Carlos Secchin, esses trabalhos retratam uma prática que era muito comum no século XIX. “Há vários motivos para a utilização de pseudônimos, mas o principal é o fato de o autor poder se expressar sem se comprometer muito com o que é publicado. Ele renuncia à instância autoral por uma falta de compromisso literário”, diz Secchin.
    (POR VIVI FERNANDES)