Terra perto do mar. É este o significado de Pomerânia, região situada ao norte da Polônia e da Alemanha, na costa sul do Mar Báltico. Pomerânia? No mapa da Europa não há vestígios dela. A língua, poucos falam. Manifestações culturais, quase ninguém pratica. Os pomeranos tinham tudo para virar verbete em um dicionário de povos extintos. Se ainda resistem, isto se deve, em boa parte, ao Brasil.
Antes sob o domínio do Sacro Império Romano-Germânico, em 1806 a Pomerânia foi invadida por Napoleão e tornou-se parte da Prússia. Mais tarde, terminada a Segunda Guerra, foi dividida entre Polônia e Alemanha. Aos pacatos pomeranos só restava uma saída: emigrar.
Seus descendentes se espalham por colônias nos Estados Unidos, no Canadá e, sobretudo, no Brasil. Fora da Região Sul, terra de muitos outros imigrantes, é no Espírito Santo que está uma das maiores colônias pomeranas do mundo. São cerca de 120 mil pessoas, a maioria morando em Santa Maria do Jetibá, região serrana, a cerca de 80 quilômetros de Vitória.
A primeira geração aportou nas últimas décadas do século XIX, atraída pela promessa de ganhar lotes próprios para prosperar na agricultura. “Mas eles tiveram que trabalhar nas terras de brasileiros. Só mais tarde receberiam do imperador pequenos lotes e galinhas. Só contavam uns com os outros e não falavam o português”, diz Nilton Capaz, secretário de Turismo e Cultura de Santa Maria do Jetibá.
Durante a Segunda Guerra, um drama se abateu sobre a colônia. Confundidos com nazistas, os pomeranos foram duramente discriminados. Na Vila Pavão, suas propriedades foram invadidas, livros e documentos foram destruídos e as mulheres sofreram abusos. Os agressores eram conhecidos como “bate-paus”, uma espécie de milícia formada por civis e militares. “Era impossível falar pomerano sem ser confundido com os admiradores de Hitler”, conta Nilton. Uma dupla ignorância, uma vez que pomerano e alemão são línguas distintas. “O pomerano é de outro tronco lingüístico, mais próximo do inglês e do holandês”, esclarece o etnolingüista Ismael Tressman, autor de um Dicionário Português-Pomerano.
Se os primeiros anos foram difíceis, hoje a colônia esbanja prosperidade. As cidades “pomeranas” são os maiores expoentes na agricultura do estado, destacando-se pela produção de ovos – a segunda maior do país. A cultura não só foi preservada, como vem sendo valorizada. Há grupos de dança folclórica e música tradicional. Os rituais de casamento são bem característicos, com festividades que começam cerca de um mês antes da cerimônia. E desde 2005 o Proepo (Programa de Educação Escolar Pomerana) ensina pomerano a crianças e jovens de cinco municípios. Para os da zona rural, acostumados somente à língua ancestral, o reforço é em português. “Nossas aulas são bilíngües, o que beneficia todos. Andando pela cidade, você pode ver as pessoas conversando no idioma. Não têm mais vergonha”, afirma Sintia Bausen, uma das responsáveis pelo projeto.
Pelo visto, o dicionário dos povos extintos pode esquecer aquele verbete.
A Pomerânia é aqui
Filipe Monteiro e Igor Mello