A partir de setembro, pesquisadores e leigos que pretendam esmiuçar a antiga relação entre Brasil e França só vão cruzar o oceano se quiserem. Como resultado de uma parceria entre a Biblioteca Nacional e a Bibliothèque Nationale de France, 10 mil documentos históricos serão digitalizados, e poderão ser acessados via Internet. A iniciativa faz parte das celebrações do Ano da França no Brasil.
Cinco mil de cá, cinco mil de lá. De revistas de moda a pinturas de Debret, as duas tradicionais instituições reviraram seus acervos atrás de arquivos que revelam variados aspectos de quatro séculos de influência mútua. Além das imagens digitalizadas, o site bilíngüe vai apresentar textos inéditos que explicam e contextualizam cada material. Tudo preparado por historiadores e pesquisadores das duas bibliotecas.
“Em termos documentais, a página vai ser muito enriquecedora. E, com esses textos, as pessoas vão ter um entendimento muito maior do que vêem”, adianta Ângela Bettencourt, que está à frente do projeto e também responde pela versão virtual da instituição – a Biblioteca Nacional Digital. “Não é só para especialistas. O público leigo também vai se interessar. A biblioteca é para todo mundo”.
A invasão do Rio de Janeiro pelos franceses em 1711, por exemplo, pode ser entendida por novos ângulos. Na troca de documentações foram selecionados cartas e mapas pouco conhecidos, que detalham até a posição estratégica das esquadras na chegada pela Baía de Guanabara. Os motivos e as reviravoltas dessa investida européia serão abordados em temática específica.
Outro episódio curioso encontrado nos acervos é o jornal Bataclan. As pautas? Moda, comportamento e sátiras à política brasileira. Embora fosse distribuído por aqui, as matérias eram todas escritas em francês. O periódico circulou do final de 1860 ao início de 1870. Seu conteúdo também vai ganhar comentários sobre a influência que exerceu nos costumes da época.
As equipes das bibliotecas são pequenas – cinco profissionais de cada lado –, mas estão dando conta de reorganizar o conturbado período napoleônico, as anotações de viajantes naturalistas, a literatura francesa... Nos últimos meses, a caixa de e-mail de Ângela vive abarrotada. Desde que o projeto começou a ganhar forma, em 2008, só houve uma visita dos pesquisadores franceses à BN. E vice-versa. Daí em diante, levantamento de dados, troca de informações e seleção de documentos seguem via Internet.
O historiador Paulo Miguel Fonseca, que também está debruçado sobre os papéis, explica que os critérios para a escolha dos arquivos digitalizados foram baseados nos processos históricos dos dois países. E ressalta a importância de serem colocados lado a lado documentos que tratam dessa relação: “Todo mundo conhece uma prancha do Debret. Mas ter isso sistematizado, reunido num só lugar, é muito mais proveitoso”.
Para Fonseca, o intercâmbio entre as bibliotecas guarda ainda outro mérito: o convite que a BN recebeu dos Estados Unidos para integrar a World Digital Library, que reúne acervos de bibliotecas digitais de vários países num só portal. “Com projetos assim, interinstitucionais, a gente acumula gabarito para participar da WDL”, afirma. “Dos oito países convidados, o Brasil é o único de língua portuguesa”.
Ângela também se mostra empolgada com o lançamento do acervo virtual mundial, programado para 21 de abril. E se orgulha dos novos rumos da instituição brasileira: “A Biblioteca Nacional está par a par com qualquer outra do mundo”.
De fato, o setor de microrreprodução da BN nunca trabalhou tanto. Somente no ano passado, mais de 15 mil imagens passaram do papel para o computador. O número é superior a todo o volume de obras digitalizadas entre 2001 e 2007, quando totalizaram 13 mil. Segundo a coordenadora da Biblioteca Digital, os bons ventos devem continuar soprando este ano.
Além da pilha de documentos do Ano da França no Brasil, os técnicos já se preparam para a força-tarefa que será mobilizada em função do bicentenário da instituição, em 2010. Mais alguns milhares de arquivos serão pinçados para integrar o acervo virtual. Ângela explica que o impulso no setor veio com a aquisição de novas máquinas, o que deve se repetir este ano. “Passamos a ter verba do Ministério da Cultura para a digitalização dos documentos. Vamos poder comprar mais equipamentos para acelerar o processo”, comemora.
Por enquanto, e até setembro, Ângela e sua equipe continuam mergulhados na terra de Napoleão e Sarkozy. Afinal, depois de transitarem virtualmente por várias épocas e temas franceses, a turma ainda vai arranjar tempo para montar uma exposição sobre o trabalho. Esta, sim, ao vivo e em cores.
A um clique da França
Bernardo Camara