A voz das badaladas

Igor Mello

  • “Não se podia imaginar uma igreja mineira sem sino”, diz o Pequeno Glossário da Linguagem dos Sinos. Espalhando notícias “em tempo real” para toda a cidade, os toques de sinos eram essenciais para o cotidiano desde os tempos coloniais. Tradição que resiste até hoje.

    “Os sinos são um eficiente meio de comunicação para quem conhece sua linguagem”, afirma Jason Santa Rosa, organizador do Pequeno Glossário e idealizador do documentário “Entoados” (ambos de 2006), também sobre a cultura sineira. Coube a Jason coordenar a primeira etapa de estudos para preservar esse patrimônio histórico junto ao Iphan. O trabalho começou em 2003 e deve ser concluído este ano.

    “Tem nada não, tem nada não”, cantava o povo de Diamantina, imitando o som que vinha da igreja quando falecia uma pessoa de poucas posses (só os sinos pequenos e médios dobravam). Como este, havia dezenas de tipos diferentes de dobres, repiques e sinais com os quais a população convivia, e que variavam de cidade para cidade.

    Por isso, não faltam lendas sobre o assunto. Diz-se, por exemplo, que quando cabelos femininos entram em contato com um sino, ele trinca. E se o instrumento tem histórias curiosas, não menos folclóricos são seus condutores. Em São João del-Rei, na década de 1910, João Pilão morreu esmagado por um sino ao dobrá-lo embriagado. O inquérito policial concluiu pela culpa do sino: o objeto foi “preso”, teve o badalo retirado e ficou muitos anos sem tocar.

    A linguagem dos sinos segue um conjunto de regras litúrgicas, mas deixa certa liberdade para a intervenção do sineiro, como explica o Glossário: “Existem prescrições que tratam dos momentos e do número de sinais a serem executados, porém não há nenhum registro que indique, por exemplo, a precisão rítmica desses toques”. Em São João del-Rei, conhecida como “a terra onde os sinos falam”, os sineiros têm voz própria. “É comum um sineiro experiente identificar outro apenas pelo toque”, diz José Antônio de Ávila, membro do Instituto Histórico e Geográfico da cidade.

    Embora ainda ativa, a tradição corre riscos. Os novos meios de comunicação e o distanciamento dos jovens da Igreja Católica contribuem para isso, assim como a má conservação dos sinos em muitos locais. “É preciso tratar os patrimônios materiais e imateriais em conjunto. Não é possível preservar a cultura sineira sem ter sinos em condições de tocar”, adverte Jason Santa Rosa. Do contrário, como se executará o toque fúnebre de mais este patrimônio perdido?