Acesso irrestrito

  • Figura antiga na Biblioteca Nacional, Vanderlei Vazelesk sempre chegava acompanhado e cumpria o mesmo ritual: escolhia uma mesa afastada, puxava duas cadeiras e ficava com os ouvidos atentos para que o ledor do dia lhe contasse o que estava nos livros. Professor universitário e deficiente visual, ele agora vai sozinho. No salão de Obras Gerais, um equipamento faz o papel de ledor, transformando palavras impressas em áudio. 

    O scanner foi uma das sete máquinas que chegaram da Alemanha por meio do projeto Biblioteca Acessível, lançado no ano passado. O objetivo é facilitar o acesso dos deficientes visuais ao acervo e auxiliar a pesquisa para pessoas com diferentes limitações físicas. O público aumentou e aprovou a aparelhagem, que custou R$ 220 mil e não é encontrada em outras instituições públicas.

    "Só de eu estar fazendo isso sozinho é um avanço enorme”, comemora o professor, enquanto ouve por um fone o livro convertido para áudio em tempo real, através do scanner. “Eu pagava alguém que lesse. Agora, ganho em economia. Também contava com voluntários, mas isso é incerto: se a pessoa não estiver num bom dia, me deixa na mão”, brinca Vazelesk.

    Além de terem acesso a qualquer título do setor de Obras Gerais, os usuários ainda podem levar material de casa e botar o aparelho para trabalhar. É só agendar a visita. “Quando soube da novidade, testei e adorei. Tenho muita coisa para ler, às vezes fico a tarde toda aqui”, diz a estudante de Publicidade Lenita Teixeira dos Santos, que toda semana bate ponto na BN carregada de apostilas e textos da faculdade.

    Dos novos aparelhos, o conversor de texto é o mais popular. Mas há outros, como o teclado em meia-lua, feito para ser usado só com uma das mãos, e o mouse para pessoas com as mãos amputadas. “A gente explica o funcionamento e eles logo se adaptam: chegam, ligam e usam tudo sozinhos”, conta Osvaldo Viana, que trabalha no atendimento. 

    Para ter acesso ao acervo, antes é preciso chegar à biblioteca. E houve um tempo em que até isso era complicado. Cadeirante que há 25 anos trabalha na BN, o restaurador Fernando Menezes Amaro viu as escadas aos poucos virarem rampas. “Antes era um Deus nos acuda”, recorda Fernando, que em outras épocas já se equilibrou em rampas improvisadas. “Ia na aventura. Tinha que trabalhar, né?”

    As intervenções físicas para tornar a biblioteca acessível começaram há cerca de dez anos. O maior desafio é driblar as limitações impostas pelo tombamento do prédio. “Não podemos fazer uma rampa na entrada principal, por exemplo. Então, optamos por adaptar a entrada da Rua México”, explica o arquiteto da BN, Luiz Antonio Lopes Souza. “Tentamos, pouco a pouco, encontrar soluções”.

    Por ser o único cadeirante da casa, Fernando virou uma espécie de consultor: dá pitaco a cada martelada. “Tudo o que fazem, vêm perguntar para mim: altura de pias, espelhos. Sou um parâmetro aqui dentro”, diverte-se, enquanto desliza pela biblioteca sem pedras no caminho. “A BN hoje está apta a receber qualquer pessoa”, diz, contente com os novos tempos e torcendo para que esse público se aproxime. “Tomara que venham mais deficientes para cá”.