O México se encontrava em plena revolução quando Octavio Paz nasceu, em 1914. Seu pai era partidário de Emiliano Zapata, líder revolucionário que se voltou contra a ditadura vigente, e chegou a representá-lo por algum tempo nos Estados Unidos. Uma das motivações de Paz, em sua obra, foi justamente tentar compreender o significado da revolução e dos seus impasses.
O primeiro grande ensaio do escritor, O labirinto da solidão (1950), é uma interrogação sobre a personalidade do mexicano, feita a partir do diagnóstico do esgotamento do processo revolucionário. Para Octavio Paz, a revolução tinha possibilitado a imersão do país no seu próprio ser, mas, depois de institucionalizada, se desvirtuou. É intrigante o retrato do homem mexicano apresentado no livro. Paz não faz referência a nenhuma entidade nacional. Ao contrário, a história do México é apresentada como superposição de várias máscaras, e quando a última delas (a revolucionária) é arrancada, o mexicano se vê em um estado de solidão que o aproxima de todos os outros povos.A formação intelectual de Octavio Paz se deu na década de 1930, atravessada pelos conflitos ideológicos que resultaram na guerra civil espanhola e na Segunda Guerra Mundial. Quando esteve na Espanha, em 1937, para apoiar a causa republicana, conheceu escritores que o estimularam. Também se aproximou de Pablo Neruda, o poeta chileno de orientação comunista, com quem manteve uma relação tumultuada, que terminou com o rompimento no início dos anos 1940.Foram decisivos os encontros do jovem escritor com intelectuais espanhóis que se mudaram para o México depois da vitória de Francisco Franco. Com eles Octavio Paz conheceu o pensamento de Ortega y Gasset e do filósofo alemão Heidegger, com sua reflexão sobre a finitude e o significado da poesia. José Gaos, tradutor de Heidegger para o espanhol, deve ter sido uma ponte importante para o conhecimento da cultura europeia em geral.O surrealismo foi uma inspiração mais forte a partir de 1945, quando se mudou para Paris e conheceu André Breton. Aprendeu que a poesia e a vida estão ligadas intimamente, e também afirmou a aproximação de poesia e crítica. Dava assim continuidade à tradição dos poetas modernos, desde o final do século XVIII. A elaboração de sua obra poética sempre teve como contraponto o trabalho de ensaísta. À publicação da reunião de seus poemas, Libertad bajo palavra (1949), seguiu-se um período de amadurecimento de seus estudos, que resultou em O arco e a lira (1956). A investigação sobre a poesia, sobretudo a do período moderno, desdobrou-se em seguida em Os filhos do barro (1974) e A outra voz (1990). Os poemas de Paz formulam perguntas de grande relevância filosófica e seus escritos teóricos são muito poéticos. Em poemas como Pedra do Sol, traduzido por Horácio Costa, e Blanco, por Haroldo de Campos, nota-se intenso exercício de reflexão. Em Pedra do Sol, o tempo, assunto central da filosofia contemporânea, é abordado:enquanto o tempo em seu leque se encerranada deixando atrás de suas imagenso instante se aprofunda e sobrenadarodeado de morte, ameaçadopela noite e seu lúgubre bocejo,ameaçado pela algaraviada noite pertinaz e mascaradao instante se aprofunda e se penetraA obra de Octavio Paz é extensíssima: vai de 1933 até sua morte, em 1998. Seus ensaios cobrem uma quantidade impressionante de assuntos: política, estética, história do México, biografia, viagens, artes plásticas, cinema, antropologia. Será possível reconhecer um traço comum nesta pluralidade de assuntos e nestas múltiplas abordagens?Muitos acreditam, com razão, que um escritor ou um pensador persegue, ao longo de sua obra, a resposta a uma única pergunta. Foi o que aconteceu com Octavio Paz. Em 1943, ele fez uma palestra sobre São João da Cruz e Quevedo, dois dos maiores poetas espanhóis do século XVII. São João expressa a transcendência da comunhão com Deus. O voo místico descrito em seus versos foi possível porque ele ainda pertencia a um mundo onde imperava a harmonia de todas as esferas da experiência. Muito diferente foi o caminho de Quevedo. Ele é o poeta consciente de estar apartado da totalidade. E consciência significa cisão entre o eu e o mundo.Tanto a poesia quanto os textos teóricos de Octavio Paz sempre exploraram esta dialética: solidão e comunhão. Este é o viés de O labirinto da solidão, ao avaliar a história mexicana. Ela começa na colônia, sob o predomínio de um sentido unitário do mundo, caminha para uma época de estranhamento do país quanto ao seu próprio ser, no século XIX, e alcança a revolução, em um esforço de resgate da unidade perdida.A dialética da solidão e da comunhão nunca chega a um termo final – é necessariamente incompleta. A lição que o escritor extrai da revolução mexicana é de que é impossível a captura da identidade pretendida por ela. Do ponto de vista filosófico, o homem é necessariamente precário, traz a marca da temporalidade e da finitude. Este dado condiciona uma apreensão sempre limitada do real. Nunca chegaremos a ter uma visão da totalidade do mundo. Do ponto de vista histórico, Octavio Paz pertenceu a uma geração que ainda confiava nas utopias do século XIX, que via a história como o caminho da reconciliação da liberdade e da necessidade.Os acontecimentos do século XX mostraram o caráter ilusório dessa crença. A visão de Octavio Paz na maturidade foi de um “tempo nublado”, título de um livro de 1980, que lembra outra expressão – “tempos sombrios” – cunhada por Brecht (1898-1956) e usada por Hannah Arendt (1906-1975).
A percepção destes impasses conduziria inevitavelmente à desistência e ao desamparo? Não no caso de Octavio Paz. As mais relevantes realizações da humanidade e as experiências mais preciosas de cada homem se explicam por estarem envolvidas na dialética da solidão. A vida de cada um progride da infância, a seu modo feliz, passa pelas obrigações do homem adulto, e caminha para o fim. Em certos momentos, temos a expectativa de recuperar alguma forma de completude – na poesia, no amor, na vivência do sagrado, na festa. São experiências que derivam do reconhecimento da nossa precariedade e do nosso inconformismo diante dela. São como pontes que lançamos, mas que nunca atingem o outro lado.Também do ponto de vista da história, a humanidade passou das comunidades primitivas até a modernidade, que é o momento em que se sofre da maior solidão. Octavio Paz considerou alguns enfrentamentos da dramática situação moderna. A política revolucionária foi um deles. Líderes políticos dos séculos XIX e XX prometeram a realização futura do reino da liberdade e a superação da solidão. Entretanto, o que se viu – e o que Paz denunciou – foi que a síntese alcançada nesta dialética levou ao congelamento de todas as possibilidades criativas e à prisão a um novo absoluto.Outro enfrentamento da modernidade é o dos poetas, que envolve uma representação do tempo muito diferente. Os revolucionários entendem que a história precisa ser acelerada na direção do futuro. Eles exacerbam a noção moderna de tempo progressivo. Já os poetas concebem o tempo como o presente ou o instantâneo. Não pretendem alongar a história e submetê-la a uma meta situada adiante. Eles aprofundam e intensificam o contato com o que se apresenta.Octavio Paz anunciou, no discurso ao receber o Prêmio Nobel (A busca do presente, 1990), que a humanidade experimentava, naquele momento, o ocaso do futuro, o esgotamento das concepções progressistas da história. Ele entendeu que ali poderia inaugurar-se a busca do presente, a intensificação da vida. Seriam os poetas os verdadeiros heróis vivos e míticos daquele tempo? Por um momento, ele é tomado pelo otimismo. Ao terminar sua fala, afirma que seu percurso tinha sido esta busca do presente. Este não é concebido como um recorte da cadeia temporal e tampouco como algo com um contorno definido, que se poderia capturar, mas como o Instante, o tempo verdadeiro, “o que buscávamos sem o saber: o presente, a presença”. Certamente, Paz não escreveria estas linhas hoje em dia. Mas elas mantêm o poder de nos tirar do habitual e sugerir novas possibilidades.Eduardo Jardim é autor de A duas vozes: Hannah Arendt e Octavio Paz, (Civilização Brasileira, 2007) e de Hannah Arendt – pensadora da crise e de um novo início (Civilização Brasileira, 2011).Saiba MaisPAZ, Octávio. O labirinto da solidão. São Paulo: CosacNaify/ Fondo de Cultura Económica, 2012.PAZ, Octávio. O arco e a lira. São Paulo: CosacNaify/ Fondo de Cultura Económica, 2012.PAZ, Octávio. Pedra de Sol. São Paulo: Selo Demônio Negro, 2009.PAZ, Octávio. Sóror Juana Inés de la Cruz. São Paulo: Mandarim, 1998.
Alcançar o passageiro
Eduardo Jardim