Além da Era Vargas

Rodrigo Elias

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    Uma carta, uma bala no coração, um defunto. A madrugada de 24 de agosto de 1954 no Palácio do Catete teria desdobramentos imprevisíveis. O suicídio do presidente Getulio Vargas afastou movimentações golpistas por dez anos, mas o estampido daquele tiro desorientou as forças políticas do seu tempo e continuou ecoando em nossa formação nacional.

    O desaparecimento repentino da figura que dominou o cenário público por um quarto de século deu lugar às disputas por seu legado – e daí emergiram Getulios suficientes para atender aos interesses das mais diversas posições no espectro ideológico, como mostra o dossiê organizado pelo historiador Bruno Garcia. Do ditador de 1937 ao democrata de 1950, as correntes que lutaram pela direção do Estado brasileiro souberam aproveitar – ou atacar – o Vargas que lhes era conveniente.

    Símbolo de muitas das nossas contradições, o presidente autoimolado havia comandado o processo de transformação econômica do país, lançando as bases para a expansão da indústria e, por outro lado, formalizando a relação entre patrões e empregados. Também é seu legado a obrigatoriedade do voto, que se mantém como um laço entre cidadania política e obediência ao Estado. Até que ponto o sistema político e eleitoral no qual vivemos está em dia com a vontade e com a necessidade dos brasileiros? No especial preparado pela historiadora Nashla Dahás, estudiosos tratam da obrigatoriedade do voto, princípio que oscila entre a garantia de uma participação efetiva de todos os setores sociais e o exercício livre de um direito político.

    Em meio ao processo de escolha dos representantes, a herança de Vargas e o voto compulsório são pequenas amostras de que os temas que definem nossa vida política – logo, nossa existência social – não são facilmente resolvíveis. A não ser, é claro, que queiramos olhar para a realidade de forma simples – ontem como hoje.