História apalpada
Na edição deste mês, a RHBN traz relatos de momentos importantes do passado brasileiro, o que inclui episódios decisivos da Guerra do Paraguai. O conflito, que envolveu quatro países entre 1864 e 1870, foi o maior da América do Sul. O Paraguai, que saiu derrotado pela aliança entre Argentina, Brasil e Uruguai, acabou pagando um preço bem alto, não apenas em vidas e em bens, mas também com a sua memória. O país perdeu, entre outras coisas, documentos e objetos pessoais do ditador Solano López. Alguns destes ficaram guardados na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, entre eles a sua espada. Em 1980, o presidente brasileiro João Figueiredo devolveu ao presidente paraguaio, Alfredo Stroessner (ambos ditadores militares), itens confiscados há 110 anos. O paraguaio agradeceu: “o povo paraguaio queria ver, apalpar e sentir a sua própria história”.
Em Brasil – Almanaque de Cultura Popular.
Furto oficial
Era muito comum no Brasil, até o início do século XX, o furto de animais domésticos durante a Semana Santa, na madrugada entre a Sexta-Feira da Paixão e o Sábado de Aleluia. Galinhas, patos, perus, porcos e carneiros eram sorrateiramente subtraídos dos quintais e acabavam virando banquete no dia seguinte. E mais: o ex-dono ainda era convidado para o almoço festivo... Em uma dessas ocasiões, em Natal, no Rio Grande do Norte, o chefe de polícia esbarrou com um rapaz que estava no meio do “ritual”. Pensando que o agente da lei era um dos seus colegas, o gatuno folclórico lhe passou duas galinhas: “Guarde estas enquanto eu vou buscar as outras”. O policial, vejam só, acabou se tornando cúmplice do furto.
Em Superstição no Brasil, de Luís da Câmara Cascudo.
Mulheres de Troia
A conquista do interior do Brasil pelos colonizadores europeus não foi uma tarefa muito fácil. Além de ser um ambiente desconhecido e rude para os recém-chegados, era habitado por populações que nem sempre estavam dispostas a ceder espaço. Foi o caso dos indômitos índios guaicurus, na região do atual Mato Grosso do Sul. Os portugueses criaram, inclusive, uma fortificação no local, o Forte Coimbra, às margens do Rio Paraguai, para firmar
posição. Em certa ocasião, os índios atraíram os portugueses para fora dos muros exibindo artigos para comercializar, e chegaram a oferecer mulheres aos soldados. A sedutora estratégia de guerra funcionou: os guaicurus, homens e mulheres, atacaram os militares, matando todos os 54 que deixaram suas posições. Prova de que, nas lutas pelo domínio do território, nem sempre a pólvora era a melhor arma.
Bicho gramático
Vicente Matheus (1908-1997) foi um dos personagens mais controversos do futebol brasileiro. Esteve à frente do paulista Corinthians em várias ocasiões entre 1959 e 1990. Voluntarioso e falastrão, o presidente do clube sempre tinha frases fortes para responder aos jornalistas. E o uso que fazia da língua portuguesa nem sempre era aquele reconhecido pelos livros. Uma vez, querendo deixar bem claro que o craque do Timão não seria vendido ou emprestado para outro clube, afirmou que “o Sócrates é invendável e imprestável”. Ousado, chegou a enunciar verdades incontestáveis, como a célebre frase “o jogo só acaba quando termina”. Em outro momento, exaltando a versatilidade dos atletas, criou uma pérola da linguística e da zoologia: “Jogador tem que ser completo como o pato, que é um bicho aquático e gramático”.
A charge do mês
O boxe estreou nos Jogos Olímpicos da Era Moderna em 1904. A competição, inspirada na Antiguidade, relacionava às atividades físicas o aprimoramento moral da humanidade. Na charge de 1910, retratando a derrota de um atleta branco por um negro, J. Carlos faz troça com o racismo ainda em voga na época.