Pela ordem
Um novo país requer uma imagem digna, a começar pelos novos cidadãos. Era o que pensavam as autoridades brasileiras do Primeiro Reinado (1822-1831). País tropical e recém-independente, pouco se afeiçoava aos costumes dos grandes centros “civilizados” europeus, àquela altura sob o impacto das modas e do consumismo da Revolução Industrial. Nas bandas de cá, as autoridades suavam para tentar criar uma sociedade mais, digamos, condizente com os novos padrões ocidentais, mesmo sem querer abrir mão da infame escravidão. Em 1831, a Câmara Municipal do Recife resolveu assumir a tarefa e decretou: “Ninguém poderá transitar pelas ruas desta cidade e seus subúrbios em ceroulas e camisa, mas sim em calças...”
Em Nosso Século. Vol. 1. Abril Cultural, 1980.
Bonde dos comportados
Um traço marcante da obra de Machado de Assis, um dos autores mais importantes da sua geração, é a fina ironia. Sua crônica “Como comportar-se no bonde”, de 1883, é uma verdadeira radiografia dos usuários de um tipo de condução que ganhava as capitais do país – e mostra que as críticas que se fazem hoje aos incômodos telefones celulares nos transportes públicos não é algo tão novo. Os dez artigos do seu “projeto de lei” são mais um antológico deboche dirigido à sociedade da época. “Os encatarroados podem entrar nos bondes, com a condição de não tossirem mais de três vezes dentro de uma hora, e no caso de pigarro, quatro”; “Toda pessoa que sentir necessidade de contar os seus negócios íntimos, sem interesse para ninguém, deve primeiro indagar do passageiro escolhido para uma tal confidência, se ele é assaz cristão e resignado. No caso afirmativo, perguntar-lhe-á se prefere a narração ou uma descarga de pontapés...”. Além da ironia, o texto mostra o contraste entre o Brasil dos sonhos da “boa sociedade” e aquele verdadeiro, que decidiu chegar de bonde à modernidade.
Imagens inodoras
Quem vê gravuras ou pinturas das belíssimas mulheres do final do século XVIII e do início do XIX não consegue sentir totalmente a atmosfera respirada naqueles tempos. Os penteados exuberantes usados na época, moda europeia, requeriam uma série de artifícios que os deixavam com um odor muito especial. As vastas cabeleiras, às vezes verdadeiras esculturas que traziam penduricalhos como espelhos, colheres, fitas, plumas e legumes, eram fixadas nos cabelos das mulheres com presilhas e cola à base de peixe. Num clima quente como o nosso, não tardava para o suor derreter o material, que escorria e se misturava com outros produtos embelezadores, como banha e pós de todos os tipos. Não havia perfume que desviasse os olfatos daquele cheiro. Na época, os atraentes penteados, por conta da fragrância inconfundível, foram chamados de um nome bem pouco convidativo, ainda que justo: “jaula de leão”.
Em No tempo dos vice-reis, de Luiz Edmundo.
O doce do brigadeiro
Tempos de guerra são tempos de privação. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os brasileiros sentiram essa dura realidade. Além dos ataques nazistas a embarcações em nossas águas, da ameaça dos agentes do Eixo e da participação dos nossos soldados no centro dos conflitos, racionava-se tudo, de combustível a alimentos. Foi nessa época, tentando contornar a falta de produtos essenciais como açúcar, leite e ovos, que se descobriu uma deliciosa mistura: leite condensado e chocolate. O brigadeiro Eduardo Gomes (1896-1981), que foi responsável pelo patrulhamento da costa brasileira durante o conflito, pegou carona na novidade. Candidato à Presidência em 1945, teve o apoio de eleitoras entusiasmadas, que distribuíam em reuniões o doce em sua homenagem. Perdeu a eleição, mas ficou eternizado no brasileiríssimo brigadeiro.
A igreja prometida
Durante sua vinda para o Brasil, no início do século XVII, o espanhol Antonio Martins de Palma enfrentou um violento temporal. Foi por causa do medo da morte que ele fez uma promessa à virgem da Candelária, para quem ergueu uma pequena capela quando chegou – são e salvo – ao Rio de Janeiro.
Apesar de ter sido reformada no início do século XVIII, a ermida só começou a se tornar uma igreja de fato em 6 de junho de 1774, quando foi colocada a primeira pedra da atual Igreja da Candelária, no Centro do Rio de Janeiro. Ainda inacabada, a construção foi inaugurada em 1811, na presença do futuro rei de Portugal, D. João VI. Mas foi somente em 1901, depois de um século e meio de obras, que ela finalmente foi concluída. No interior da Candelária estão expostos os murais que contam a história de sua fundação. As pinturas da nave central, que narram a viagem de Antonio Martins de Palma, e as da cúpula foram feitas por João Zeferino da Costa, escolhido para a tarefa por D. Pedro II.
Além de ser um dos mais importantes monumentos religiosos da cidade, palco de casamentos e batizados, a Candelária também foi, e ainda é, lugar de outros tipos de acontecimentos. Em 1993, o assassinato de oito meninos de rua que dormiam em suas calçadas chocou o Brasil. Além deste trágico episódio, a igreja costuma ser ponto de partida de protestos – desde as realizadas durante a ditadura militar até o recente protesto conta a emenda Ibsen Pinheiro, que propunha a divisão dos royalties do petróleo entre os estados.
Guerra contra os falsos beatos
Um jovem casal de descendentes de alemães, com princípios morais muito rígidos, se tornou o centro das atenções na então província do Rio Grande do Sul. Entre 1868 e 1874, Jacobina Mentz e João Jorge Maurer foram os líderes do movimento Mucker na antiga colônia alemã de São Leopoldo. O grupo ganhou esse nome porque “Mucker”, em alemão, significa santarrão, ou seja, alguém que simula santidade.
João Jorge era carpinteiro de ofício e atuava como curandeiro. Sua esposa, Jacobina, era a líder religiosa do movimento. Segundo relatos da época, sofria de desmaios e momentos de inconsciência, interpretados como manifestações sobrenaturais.
Apesar de terem sido investigados em 1873 pela polícia local, que pedia o fim das reuniões religiosas, o grupo continuou firme. A imagem dos Muckers só foi realmente comprometida depois que incêndios e outros crimes foram atribuídos a eles. Para enfrentar a situação, a polícia solicitou o apoio do exército imperial e, juntos, perseguiram os colonos envolvidos, que na época eram cerca 150 pessoas. O conflito com os apoiadores do movimento, que profetizava que os que acreditassem em Jacobina seriam imunes à morte, começou no dia 25 de junho de 1874 e foi chamado de Revolta dos Muckers. Apesar da promessa de imortalidade, o ataque final do exército matou todos aqueles que não haviam conseguido fugir, inclusive a própria Jacobina.
Buzina tropicalista
Nascido em Surubim (PE) em 1917, José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, entrou pela primeira vez numa rádio quando foi convidado para uma palestra sobre alcoolismo. Depois de desistir da faculdade de Medicina, passou por diversas emissoras até que começou a trabalhar na Rádio Clube Niterói. Por ser transmitido de uma chácara, o programa foi chamado de “Cassino do Chacrinha” e apelidou também seu locutor.
O sucesso do “Cassino” levou Chacrinha para rádios maiores, até que, em 1956, inaugurou um programa na televisão, o “Rancho Alegre”, da TV Tupi, com os bordões que, a essa altura, já eram célebres, como “Teresinha!”. Cada vez mais popular, ele foi contratado de quase todos os canais de televisão do país. Mas foi na “Discoteca do Chacrinha” (que estreou na TV Tupi, passou pela TV Rio e pela TV Globo) que o apresentador criou suas marcas registradas: a buzina, o bacalhau e a presença de dançarinas, chamadas de chacretes. Na “Discoteca”, também, ele lançou vários nomes da Jovem Guarda e do Tropicalismo.
O Velho Guerreiro, como ficou conhecido graças ao apelido dado por Gilberto Gil, trabalhou até poucos dias antes de sua morte, em 30 de junho de 1988. Chacrinha foi enterrado com a buzina que fez dele um dos mais famosos personagens da televisão brasileira.
A charge do mês
Não é de hoje que os governos têm que responder pelos grandes gastos da administração pública. A imprensa brasileira, em vários momentos, pegou no pé de governantes, como nesta charge publicada durante a presidência de Rodrigues Alves (1902-1906). O povo – ou “Zé Pagante” – aparece em posição nada lisonjeira.