Quem passa algum tempo dentro de uma banca de jornal percebe que existe uma imensa quantidade de editoras brigando por espaço no concorrido mercado. Isso já acontecia em 1844, na capital do Brasil imperial, quando os irmãos franceses Eduardo e Henrique Laemmert, por meio da Tipografia Universal e da Livraria Laemmert, começaram a produzir e vender diversos impressos famosos da Corte imperial e da Província do Rio de Janeiro. Eles logo passaram a enfrentar a concorrência da Livraria Garnier. Mas foi com o lançamento do Almanak Laemmert que estabeleceram um marco editorial na história do Brasil.
Esse periódico anual foi o primeiro almanaque a circular regularmente ao longo de sete décadas – de 1844 a 1914 –, numa época em que publicações semelhantes costumavam durar, no máximo, quinze anos. Ao mesmo tempo, por ser impresso em capa dura, ele ostentava um luxo e um requinte que o diferenciavam dos demais. Sem contar a variedade de informações que suas páginas ofereciam: nada mais, nada menos do que variadíssimas novidades relativas às autoridades da Corte e à organização administrativa, jurídica, política, social, religiosa e cultural do Império.
Tudo começou quando Eduardo Laemmert chegou ao Brasil, em 1827, acompanhado de um amigo com quem trabalhava em Paris. Os dois abriram uma loja na Rua Gonçalves Dias, batizada de Souza Laemmert, na qual vendiam livros franceses de filosofia, administração, artes, ciências e poesia. Algum tempo depois, Eduardo se separou do sócio e abriu a Livraria Universal, na Rua da Quitanda. O empresário estava mesmo disposto a incrementar seu negócio, e no final da década de 1830 tomou uma iniciativa que mudou o destino de seu empreendimento: encomendou impressoras da Alemanha para criar um setor gráfico na empresa.
Para conhecer as novidades da arte tipográfica, Eduardo visitou Paris em 1837. No ano seguinte ele inaugurou a Tipografia Universal, e logo oficializou uma sociedade com o irmão Henrique: a E & H Laemmert – Mercadores de Livros. O sucesso do empreendimento foi tão grande que os dois passaram a investir na edição de livros e periódicos literários. O marco inicial foi a Folhinha Laemmert, de 1839, que circulava anualmente, trazia textos do próprio Eduardo e tirava 110 mil exemplares.
Nessa época, investir no mercado editorial começava a se tornar um bom negócio. Entre o final do século XIX e o início do XX, a cidade chegou a ter duzentas oficinas tipográficas, a maioria localizada na Rua do Ouvidor e adjacências – Gonçalves Dias, Uruguaiana, Alfândega, Sete de Setembro –, centro da vida elegante, boêmia e literária da cidade. Essa expansão era estimulada pelos preços baixos dos livros, a grande variedade de conteúdos e formatos dos impressos, as estratégias de divulgação, o ambiente convidativo das livrarias e das gráficas, o uso cada vez maior de gravuras nas publicações e, principalmente, o aumento do nível de instrução da população, que fazia da leitura algo mais acessível. Em 1872, cerca de 80% da população brasileira era analfabeta; na Corte, porém, 50,4% da população era alfabetizada nas décadas finais do Império, número muito mais alto do que a média nacional, que era de apenas 15% nesse período.
O diferencial que os irmãos encontraram para se destacarem nesse nicho foi justamente a criação do Almanak Laemmert, que se inspirava em publicações semelhantes – os almanaques, almanaks ou almanachs – que circulavam desde o século XV na América e na Europa. Sua primeira edição foi, de acordo com os editores, acanhada, pois saiu com pouco mais de 280 páginas. Nada parecido com uma das edições anuais lançadas na década de 1880. Nesta, o Almanak Laemmert – nome mais popular do Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro – tinha cerca de 2.500 páginas e podia ser adquirido em várias livrarias do país. E ainda tinha uma distribuição de fazer inveja a qualquer editor: mais de quinze cidades do exterior vendiam suas edições. Entre elas estavam Berlim, Nova York e Madri.
A publicidade do Almanak também garantia sua circulação, com anúncios diferenciados que geravam lucros somente para editores e comerciantes, antes de serem reivindicados por agências. Como as demais publicações desse tipo, em suas páginas eram anunciadas as coisas mais variadas, como serviços profissionais, os periódicos publicados na Corte, as sociedades de leitura, lojas, academias científicas, escolas públicas, colégios particulares, hospitais, asilos e associações.
Para ter uma página inteira, o anunciante pagava 15 mil réis, ou 320 réis por uma linha. Já o preço de venda do anuário variou bastante ao longo do seu período de circulação. Enquanto o primeiro número do Almanak foi vendido a dois mil réis, a edição mais cara atingiu a cifra de seis mil réis anuais, na década de 1880.
O Almanak nunca deixou de ter um número expressivo de assinantes. Em algumas edições, eles eram mais de quatrocentos. Ao lado de leitores ilustres, como o comendador Duarte Gomes, o capitão José Simplício, o doutor Manoel Antônio, o bacharel Domingos Cordeiro e o barão de Ipiabas, um profissional liberal, mulato, de nome Francisco Xavier de Assis, que residia em Santa Maria Madalena, passaria despercebido se não fosse o pai do grande escritor Machado de Assis. O anuário, no fim das contas, era lido por capitães, profissionais liberais, pequenos comerciantes, funcionários de repartições públicas, barões e doutores.
Para seus editores, o Almanak Laemmert servia como um grande chamariz dentro do concorrido mercado de impressos do Rio de Janeiro. Com a Tipografia Universal e a Livraria Laemmert, os irmãos franceses imprimiram e venderam obras, folhetos, livros e manuais variados. Além disso, produziram quatrocentas traduções de publicações estrangeiras, que ficavam a cargo de intelectuais como o historiador Capistrano de Abreu e o poeta Olavo Bilac.
Só em 1854, dez anos depois que começou a ser publicado, o Almanak Laemmert passou a ter um novo editor. Na capa da edição daquele ano, lia-se que a publicação havia sido “reformada e novamente organizada por Arthur Sauer”, que vinha a ser um dos genros de Eduardo Laemmert. Eduardo deixou a empresa na década de 1870, quando seu irmão, Henrique, assumiu o comando. Onze anos depois, alguns membros da família Laemmert se tornaram sócios do empreendimento – Egon Wadmann, o próprio Sauer e Gustavo Massow, outro genro de Eduardo. Os quatro coordenaram a abertura de novas filiais nas províncias de São Paulo e Pernambuco, e reconstruíram um antigo prédio de sua propriedade, na Rua do Ouvidor, transformando-o num moderno edifício de três andares.
Já aposentado, Eduardo morreu com pouco mais de 70 anos, em 1880. Mesmo afastado do comando do Almanak, ele era reconhecido como o mentor da publicação de sucesso. Seu sepultamento mobilizou autoridades, intelectuais e os mais de 120 funcionários de suas empresas. Arthur Sauer, que se tornaria diretor da Companhia Typográphica do Brazil, além de sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro a partir de 1891, assumiu a gerência dos negócios da família. Em 1900, além de editor, ele também se tornaria o proprietário do Almanak. Nove anos depois, a livraria acabaria indo à falência.
Nada disso, porém, foi capaz de interromper a publicação, que continuou saindo e batendo recordes de vendagem e circulação, mudando de formato e aumentando o número de páginas e de assinantes. Em 1914, passou a se chamar o Anuário do Brasil. Mas quando começou a ser editado por membros do Jockey Club do Rio de Janeiro, em 1925, voltou a ostentar seu nome original e tradicional: Almanack Laemmert Ltda.
O edifício de três andares na Rua do Ouvidor, onde funcionava a tipografia, começou a ser administrado por Manuel José da Silva em 1910. Ele editava uma publicação semelhante ao Almanak: o Anuário Geral de Portugal. Depois de um incêndio no prédio, em 1943, a firma passou a funcionar como Gráfica Laemmert, e continuou publicando livros até 1970.
O Almanak é a prova do quanto uma publicação resiste a mudanças de regime político – do Império à República – e de administração. Mais que isso: como o mercado editorial era lucrativo mesmo quando a maioria da população era analfabeta.
ALINE DE MORAIS LIMEIRA é historiadora da educação e autora da dissertação “O comércio da instrução no século XIX: colégios, propagandas e subvenções públicas” (Uerj, 2010).
Saiba Mais - Bibliografia
BARBOSA, Marialva. Os Donos do Rio. Imprensa, Poder e Público. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2000.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. 2ª edição. São Paulo: Edusp, 2005.
MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tania Regina de. (orgs.). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008.
MOREL, Marco & BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, Imagem e Poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
Saiba Mais - Internet
Almanak, edições de 1844 a 1889 disponíveis na Universidade de Chicago: www.crl.edu
Almanaque de primeira
Aline de Morais Limeira