O arquivo de um anarquista, o encontro entre um diretor de fotografia e um professor universitário, um patrocínio ministerial. Dessa combinação nasceu em 1975 o projeto “Imagens e História da Industrialização no Brasil (1889-1945)”. Este, por sua vez, deu origem aos filmes Libertários (1976), de Lauro Escorel, e Chapeleiros (1983), de Adrian Cooper. Pela primeira vez, os dois documentários podem ser conferidos em DVD.
A iniciativa partiu do Instituto Moreira Salles, e o DVD foi lançado em outubro do ano passado. O diretor de fotografia Lauro Escorel lembra que, nos anos 1970, aproximou-se do professor da Unicamp Paulo Sérgio Pinheiro, a quem levou a proposta de fazer Libertários, um filme sobre as origens do movimento operário no país. “Desse encontro nasceu o projeto, que coincidiu com a aquisição do arquivo de Edgard Leuenroth, militante das causas operárias, pela universidade”, explica.
Silvia Modena Martini, doutora em Sociologia pela Unicamp, onde é supervisora de seção do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), confirma que a pesquisa foi desenvolvida nos primórdios da instituição e financiada pelo Ministério da Indústria e Comércio. “O objetivo era aprofundar o estudo sobre a industrialização brasileira por meio de microfilmagem de documentos relativos à história empresarial e industrial do Brasil, nos seus aspectos econômicos, financeiros e sociais”.
No conteúdo extra do DVD, descobrimos que Adrian Cooper tinha “um desespero de voltar para a América Latina”. No relato, o cineasta afirma: “Até estava engajado na Inglaterra, mas aquela realidade não me dizia mais nada. Eu tinha consciência de que estava indo para a pior das ditaduras, mas era um trabalho que fazia muito sentido pra mim. Eu tinha a sensação de resgatar algo forçadamente esquecido”.
Aliás, é peculiar o aval financeiro de um ministério em plena ditadura militar. “Coisas do Brasil”, define Escorel, “devemos isso ao então ministro Severo Gomes, que nos deu total cobertura para levar a pesquisa e o projeto adiante”. Nem tudo foram flores, porém: o diretor de Libertários lembra que alguns colegas da equipe foram impedidos de trabalhar, como o historiador Victor Leonardi, que coordenava a pesquisa. Diante do veto, ele seguiu com sua função secretamente.
Ambientados em São Paulo, os “filmes irmãos” se complementam por meio de estratégias diferentes, segundo o crítico de cinema Carlos Augusto Calil, que assina o livreto anexo aos filmes. Libertários parte do final século XIX e vai até o início dos anos 1920, contrapondo cenas autênticas de fábricas à dura realidade da opressão das classes trabalhadoras, além de apontar – contra a corrente – a contribuição do anarquismo para a evolução da consciência de classe. Chapeleiros, sem exibir um só diálogo ou depoimento, expõe o opressivo ambiente de ruídos e vapor do final dos anos 1970.
Anarquismo a todo vapor
Angélica Fontella