Anistia ainda que tardia

Juliana Barreto Farias

  • Ou a aposentadoria compulsória ou o estigma dos bonés amarelos. Na década de 1960, os ferroviários cearenses contrários ao regime militar foram obrigados a usar uniformes diferentes dos de seus colegas e a deixar os postos de trabalho. Agora, finalmente, vão poder recuperar seus direitos. Quando a Caravana da Anistia passar pela cidade de Fortaleza, nos dias 24 e 25 deste mês, os processos desses operários e de outros funcionários públicos, de jornalistas, militares e camponeses atingidos pela ditadura vão ser julgados por uma comissão do Ministério da Justiça. O evento, que acontecerá na Universidade Federal do Ceará e na Assembleia Legislativa, é parte das comemorações pelos trinta anos da anistia política.

    “Esse movimento de 1979 não foi exatamente o que, na época, defendiam os presos políticos, exilados, cassados, demitidos, parentes dos mortos e desaparecidos, bem como por consideráveis parcelas da sociedade civil e política. Foi meia anistia para os resistentes, mas ampla, geral e irrestrita para os torturadores. Mesmo limitada, resultou de uma conquista popular a que a ditadura foi obrigada a ceder. Foi o ponto de partida para a recuperação das liberdades civis e políticas”, acredita Mário Albuquerque, presidente da associação cearense Anistia 64/68.

    Por isso mesmo, a data também está sendo lembrada no estado com palestras, exposições, sessões solenes, lançamentos de livros e revistas, que vão se estender até o fim do ano. E como já aconteceu em outras cinco capitais, Fortaleza receberá um Ponto de Memória, que vai abrigar boa parte do acervo histórico relacionado ao período. Como muitos documentos ainda estão nas mãos de ex-integrantes dos órgãos de informações ou de tortura, as instituições muitas vezes acabam dependendo de doações ou da sorte.

    Há pouco tempo, a Associação Anistia 64/68 recebeu vários manuscritos sobre a repressão política descobertos quase por acaso numa escola estadual. “O diretor recolheu de uma pessoa que atendeu ao apelo de uma campanha feita na comunidade para doação de livros à biblioteca. Entre as várias caixas recebidas, foi grande a surpresa ao se deparar com uma que continha esse material do período da ditadura, certamente colocada por engano pelo doador, ao que tudo indica, um delegado federal aposentado”, conta Mário Albuquerque.

    Com a criação do Ponto de Memória, o acesso a esses “documentos da ditadura” ficará bem mais fácil. O local ainda não está definido. Mas já está certo que fotos, depoimentos, petições, panfletos, cartazes e outros registros daqueles tempos sombrios, que hoje se encontram na Associação Anistia, terão um abrigo adequado. “Com apoio do Ministério da Justiça e da Comissão de Anistia/Prodasci, será dado tratamento técnico e profissional ao acervo, o que potencializará nosso trabalho, facilitando e dinamizando a consulta”, afirma Mário Albuquerque. Trinta anos depois, a memória da ditadura militar vai, enfim, saindo dos porões.