De um lado, os portugueses; de outro, os índios. Um integrante de cada grupo se aproxima do outro e tenta se comunicar em sua língua; o outro grupo permanece em silêncio, observando. Os portugueses articulam uma única palavra: “caravela”. Os índios só falam “indaiatuba”. A descrição acima não se refere a uma cena do século XVI. Trata-se de uma atividade que pode ser realizada por alunos de História, baseada no método Drama, que leva teatro para a sala de aula.
Esta prática usa jogos de improvisação, em que os participantes fazem uma cena sem qualquer ensaio. No Brasil, há três métodos de ensino de teatro baseados no improviso. Além do Drama, de origem anglo-saxônica, trazido para o Brasil especialmente a partir dos livros da professora Beatriz Cabral e de suas pesquisas realizadas em Florianópolis a partir dos anos 1990, há o Jogo Dramático, de tradição francesa, que tem nos livros de Jean-Pierre Ryngaert importante rastro desta prática que se iniciou nas primeiras décadas do século XX, e o Jogo Teatral, concebido pela educadora americana Viola Spolin a partir de experiências com crianças em Chicago, nos anos 1960. Desses, o Drama é, sem dúvida, o menos conhecido e utilizado por aqui.
Estimulando projetos que envolvam várias disciplinas, o Drama pode unir teatro e história. A particularidade desta prática de ensino está no fato de que cada jogo de improvisação proposto é necessariamente associado ao fio da narrativa em curso. A proposta é que os participantes peguem situações de uma história e as transportem para o teatro. Deste modo, o processo se constitui como construção conjunta de uma narrativa teatral, e por isso pode ser entendido como uma forma de arte coletiva, em que professor e alunos assumem as funções de dramaturgos, diretores, atores, espectadores, pesquisadores etc.
A primeira vez que tive contato com o método foi em uma oficina para professores, desenvolvida pelo educador inglês Joe Winston em Bruxelas. Percebia-se que, como eu, os professores belgas não tinham uma clara noção daquela prática teatral. Depois, em um encontro com educadores do Reino Unido, da Bélgica e da França, pude notar que os franceses tampouco conheciam a fundo o Drama.
Desenvolvida inicialmente em países de língua inglesa, esta forma teatral, que tem despertado muita curiosidade em artistas e educadores de diferentes nacionalidades, ainda não foi muito divulgada em todas as suas possibilidades. Isto porque há muitas e diferentes compreensões do método Drama, o que dificulta a sua transmissão. Além disso, a difusão da prática é relativamente recente, tendo se expandido de fato somente depois da segunda metade do século XX.
Na oficina de Drama em Bruxelas, Winston apagou as luzes da sala, criando um clima de mistério, intensificado pela luz sutil de uma lamparina que acendeu logo em seguida. Depois de alguns instantes de silêncio, convidou o grupo a se reunir em torno dele e começou a contar uma história, que se iniciava em um cemitério. Lá, o jovem chamado Paul tem um encontro fantástico e inusitado com uma pequena figura, parecida com um duende, cujo nome é Yallerybrown. Presa em uma tumba, a criatura que gritava por socorro é libertada pelo jovem. Em troca, põe os seus poderes a serviço de Paul: oferece-lhe um saco de bombons mágicos, que devem ser comidos cada vez que ele precisar de ajuda.
Nesse momento, já nos sentíamos completamente mergulhados na trama, tanto pelo ambiente criado por Winston quanto pela maneira como contava a história, entremeando entonações e gestos, aliados a um modo teatral de manipular a lamparina.
Na sequência, o educador inglês convidou os participantes a criarem teatralmente, a partir de diferentes jogos teatrais, os diversos acontecimentos que encadeavam as peripécias de Paul em sua utilização dos bombons mágicos. O resultado foram cenas dramatizadas, pantomimas, esculturas com o próprio corpo e quadros “congelados”, entre outros jogos. A proposta era que os participantes explorassem os diversos aspectos da narrativa que era dada, passo a passo, pelo coordenador da atividade.
Winston finalizou a história contando que Paul, depois de conseguir enorme sucesso na vida, realizando suas vontades com a utilização dos bombons, torna-se dependente dos poderes que Yallerybrown lhe proporciona. O desfecho é trágico. Quando os bombons acabam, o jovem se desespera e sai louco pelo mundo, vagando até hoje à procura do duende, sem conseguir jamais encontrá-lo novamente.
As características básicas do Drama são o processo, o pré-texto e os episódios. O processo é determinado pela efetiva participação de todos os integrantes do grupo e está relacionado com os objetivos que o coordenador quer alcançar. Como no caso acima, ele pode se relacionar com a investigação de temas provocativos e de interesse do grupo. Mas há muitas opções – é possível fazer a apropriação de textos dramáticos ou literários, explorar conteúdos de disciplinas escolares, montar espetáculos teatrais e abordar fatos históricos, entre outros.
O pré-texto tem como objetivo inserir o grupo na situação dramática, além de definir o contexto da narrativa que será explorada. No exemplo acima, Joe Winston toma a história de Paul como pré-texto e elabora uma atividade inicial envolvente.
Os episódios são os eventos que compõem a estrutura narrativa. Geralmente concebidos pelo professor, convidam o grupo a se relacionar com as novas situações propostas. Assim, ele mantém o interesse dos alunos, além de dar continuidade à construção da história e possibilitar a exploração teatral dos elementos presentes na trama.
As sessões de Drama podem ter atividades diversas, como a narração ou leitura de partes da história e a proposição de jogos teatrais ou lúdicos. A relação com os elementos teatrais também é importante. O professor pode sugerir, por exemplo, a concepção e a construção de objetos cênicos, a criação de músicas e sonoridades, e também exercícios que explorem o uso da iluminação para cenas ou para a criação de ambientes. Fora do espaço teatral também há várias possibilidades, como a realização de pesquisas históricas ou de entrevistas com parentes ou pessoas da comunidade.
Os episódios formam uma sequência em que há uma relação estreita entre as partes. Um processo de Drama propõe uma investigação que vai se aprofundando em cada um deles.
Se o processo for demorar mais de uma aula, é importante criar suspense, vínculos entre um encontro e o seguinte: cartas que serão lidas no início da próxima sessão ou pesquisas que serão feitas em casa e trazidas na próxima aula. O professor pode, ainda, começar a aula seguinte recontando a história até o ponto em que ela parou. O tédio é o maior inimigo do processo, e para que ele não atrapalhe, cabe ao docente apresentar propostas que emocionem, surpreendam, divirtam, mantendo vivo o interesse do grupo.
Flávio Desgranges é professor do Departamento de Artes Cênicas da USP e autor de "Pedagogia do teatro: provocação e dialogismo" (Hucitec, 2006).
Saiba Mais - Bibliografia
CABRAL, Beatriz Ângela Vieira. O Drama como Método de Ensino. São Paulo: Hucitec, 2006.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, Representar. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
SPOLIN,Viola. Improvisação para o Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1992.
Aplausos em sala
Flávio Desgranges