Aquarelas ornamentais

Alice Melo

  • Depois de impressos por uma chapa mecânica, os livros passavam por um cuidadoso ritual: os artistas pintavam, página por página, cada desenho. Foram necessários quase cinquenta anos para que os três volumes da chamada Hortus Nitidissimis, uma obra de botânica que retratou a flora ornamental europeia no século XVIII, fossem publicados. Ela é considerada até hoje o florilegium mais famoso de todos os tempos unicamente por sua beleza: ali, a pintura quase recupera os tons vivos de uma tulipa ou de um narciso. Por essa razão, um projeto realizado pelo Royal Botanic Gardens, de Kew, Londres, disponibilizou na web a obra completa, reconstituída a partir de exemplares dos acervos de vários museus do mundo.

    No Brasil, até bem pouco tempo atrás, não havia sinal de qualquer instituição que a possuísse. Mas, recentemente, em uma busca realizada nos armazéns da Biblioteca Nacional, uma funcionária da Divisão de Iconografia encontrou dois volumes da coleção, o primeiro e o último. Jonathan Farley, bibliotecário do Royal Botanic Gardens, considera a Hortus “extremamente importante para a história da arte botânica e também para a história da arte, já que foi ilustrada em aquarela pelos mais relevantes gravadores da Universidade de Nuremberg”.E acrescenta que, por ter sido publicada em partes e sem regularidade, é frequentemente encontrada incompleta nos acervos internacionais: somente o Arnold Arboretum, da Universidade de Harvard, possui todas as páginas dos livros.

    O “tesouro” brasileiro foi descoberto pela bibliotecária Mônica Carneiro, que levou os volumes para a seção de imagens da BN a fim de que ficassem mais protegidos. “Percebemos que obras de botânica são o alvo principal de ladrões”, comenta Mônica. Assim que os exemplares chegaram, os pesquisadores logo desconfiaram da sua origem: “Olhamos nos registros e confirmamos que eram da coleção do conde da Barca”, conta a também bibliotecária Luciana Muniz, responsável pela pesquisa.

    O conde da Barca – o português António de Araújo e Azevedo – era um verdadeiro amante da natureza e adquiriu em leilões na Europa uma grande quantidade de livros sobre botânica. Alguns anos após sua morte, em 1817, D. João mandou arrematar a coleção inteira do conde para a Real Biblioteca. No entanto, quando as obras chegaram ao acervo da biblioteca, foram espalhadas por várias seções, e muitas delas ainda estão dispersas pelos andares da instituição.

    Catalogadas e rearrumadas, as obras setecentistas devem ser encaminhadas para restauração. Embora o colorido das imagens esteja praticamente intacto, é preciso tratá-las para que permaneçam assim por muitos anos.