Quase todo dia, turistas e visitantes desavisados tocam a campainha do número 561 da Rua Cosme Velho, bem ao lado do trenzinho que sobe para o Corcovado. Eles são sempre bem recebidos, mas as portas do casarão estão fechadas para o público há mais de dois anos. Sem qualquer tipo de patrocínio, o acervo de mais de seis mil obras de arte naïf guardado ali pode sumir de vez do mapa cultural do Rio de Janeiro.
“Estamos tentando, mais uma vez, a reabertura do museu. Mas agora tem que ser definitiva. Senão, o que vamos fazer com todos esses quadros? Com esses pintores que confiam tanto na gente? Eles dizem: ‘Esta é a nossa casa, não podemos perdê-la’. É muito triste isso. Fico frustrada, mas não posso fazer mágica”, lamenta a museóloga Jacqueline Finkelstein, diretora do Museu de Arte Naïf desde a sua criação.
Tudo começou com as primeiras obras reunidas por seu pai, o francês Lucien Finkelstein (1931-2008). Joalheiro apaixonado por arte, ele costumava percorrer todos os cantos do Brasil e até outros países em busca de quadros em estilo naïf, nome dado às pinturas ditas “ingênuas”, em geral feitas por artistas autodidatas. Aos poucos, formou um variado acervo nos fundos de sua joalheria na Avenida Atlântica, em Copacabana. Como muita gente sabia da coleção, Lucien passou a organizar pequenas exposições ali mesmo. Em 1995, um grupo de diretores da Nestlé veio passar o carnaval no Rio e quis conhecer as obras, mas o lugar era apertado para tantos convidados. A solução foi armar uma mostra na casa que ele havia comprado no Cosme Velho. Os quadros permaneceram ali, e no final daquele ano, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura, o espaço foi incrementado com uma exposição de telas estrangeiras. Nascia o Museu de Arte Naïf.
Por mais de dez anos, a instituição – uma das maiores do gênero no mundo – contou com recursos da prefeitura. Em março de 2007, a parceria foi interrompida. Jacqueline Finkelstein vem tentando novos apoios de empresas públicas e privadas, mas até agora nada saiu do papel. “As pessoas perguntam: ‘Você tem alguma idéia de por que isso acontece’? Não consigo entender. Se é porque o acervo ou a casa não são tombados, é uma coisa ridícula. Queremos manter tudo como um patrimônio turístico, uma atração cultural da cidade do Rio. Essa era a intenção do meu pai”, afirma a diretora.
Boa parte do acervo, que reúne telas garimpadas em todos os estados brasileiros e em mais de cem países, sofre com a umidade e os cupins. “Nunca conseguimos fazer uma reserva técnica adequada. E agora a situação está desesperadora. Só 5% do acervo fica em exposição. As outras obras estão todas guardadas sem nenhum cuidado especial”, revela Jacqueline. Cursos, palestras e alguns projetos com escolas também já não acontecem mais. Só mesmo as exposições fora do museu continuam na agenda. “Já fizemos no CCBB de Brasília, na FAAP, em São Paulo, na França e na Eslováquia. Todas elas com muito sucesso. A arte naïf brasileira é reconhecida no mundo todo. Só no Brasil é que não tem muita importância”, conclui.
Arte de portas fechadas
Juliana Barreto Farias