Banzo de casa

Joice Santos

  • Gravura de Jonathan Needham, da segunda metade do século XIX: Entrada da enseada das laranjeiras, oeste das Mangueiras, Rio de Janeiro.“Venha, meu filho, vamos voltar ao meu país! Como a gente é feliz lá! Como a África é bonita”. Foi com estas palavras que o natural do Brasil, Francisco, foi convencido pelo pai africano a sair da Bahia no início do século XIX e ir para Aguê, na atual Nigéria. O relato de um Francisco já idoso e cego está no diário manuscrito do missionário católico Baudan, em fins do mesmo século, que registrou as primeiras impressões do ex-escravo sobre a terra dos seus antepassados – que não foram nada boas.

    Pai e filho haviam conseguido a liberdade após a morte do seu senhor. Mesmo livre, o pai não estava satisfeito: tinha muitas saudades da terra natal. Mas o filho não se empolgava com a ideia desse retorno. Apenas após muita insistência resolveu seguir a vontade do pai. O problema, então, se tornou outro: o alto custo da viagem. Um liberto da Bahia poderia levar até dois anos para pagar a sua passagem e as de seus familiares. Esses valores poderiam ser arrecadados por meio de atividades do ganho ou da participação em irmandades. Além disso, havia uma série de trâmites burocráticos, como a retirada de passaportes, pagamento de taxas e a contratação do navio.

    Após reunir o necessário para a viagem, pai e filho embarcaram num pequeno navio que os levou para Aguê. Ao chegar lá, o jovem Francisco ficou muito espantado: “um monte de negros que saíam (...) quase nus, que gritavam e pulavam”. Além de não compreender a língua, considerava que aqueles homens e mulheres viviam uma situação miserável. Acreditando que aquela não era a terra de que tanto ouvira falar, resolveu imediatamente fugir. Chegando à praia, porém, o navio que os trouxera já havia zarpado. Sua tristeza era enorme. Não reconhecia a felicidade sobre a qual o pai tanto comentava e dizia ter encontrado. Para ele, o pai estava perdendo a alma: não sabia que a felicidade estava na fé cristã?

    O relato aponta para dois pontos de vista desse retorno: o do pai, saudoso da terra de sua infância, e o do filho, nascido no Brasil, distante da forma como os africanos viviam e da religião que professavam. O retorno de libertos, em especial os africanos, para a África tinha motivações variadas, desde as saudades que o pai de Francisco expressava, passando por iniciativas coletivas, até deportações – ocorridas principalmente a partir da revolta dos Malês, ocorrida em Salvador em 1835. E eles não voltavam, necessariamente, para as suas aldeias, mas para os portos em que foram originalmente embarcados. Mas todo esforço valia a pena para quem queria voltar para casa, ou simplesmente começar uma vida nova.

     

    Joice Santosé pesquisadora iconográfica da Revista de História da Biblioteca Nacional.

     

    Saiba mais

    AMOS, Alcione Meira. Os que voltaram. A história dos retornados afro-brasileiros na África Ocidental no século XIX. Belo Horizonte: Tradição Planalto Editora, 2007.

    GURAN, Milton. Agudás. Os “brasileiros” do Benim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

    LIMA, Mônica. “Entre margens: o retorno à África de libertos no Brasil, 1830-1870”.  Tese de doutorado, Rio de Janeiro, UFF, 2008.