Bem longe da senzala

Aline Martins dos Santos

  • Muita gente que se interessa pela saga da escravidão no Brasil acaba esbarrando em textos que defendem que os cativos, de modo geral, eram passivos, falavam a mesma língua e tinham a mesma crença. Nada mais equivocado. Esse estereótipo, combatido pela historiografia nas últimas décadas, agora é abordado em um álbum em quadrinhos recém-lançado. O Quilombo Orum Aiê (Galera, 2010), escrito e ilustrado por André Diniz, é uma obra ficcional que se passa na Salvador de 1835 e pretende lançar uma nova luz sobre o tema.

    Mas a trama criada por Diniz – que já produziu, como roteirista e desenhista, diversas adaptações de fatos históricos para os quadrinhos – vai muito além de uma simples recriação do clima da época. Com humor, aventura e drama, a HQ mostra os últimos momentos de inocência de seu protagonista, Capivara, quando ele aprende bastante sobre si mesmo e sobre a vida. Ele é um escravo jovem e esperto que, após a revolta dos escravos malês em 1835, na Bahia, sai em busca de um quilombo lendário, utópico, onde tudo seria perfeito e onde poderia finalmente encontrar seu pai. No Quilombo Orum Aiê não haveria guerras ou desavenças, e todos viveriam por muitos anos gozando de perfeita saúde. Nessa jornada idílica, ele é acompanhado pelo recém-chegado Abul, um negro iorubá de bom coração que não fala português; pela jovem Sinhana, escrava questionadora e de personalidade forte, e por Antero, um ex-prisioneiro branco de passado misterioso.

    A principal fonte de informações usada por Diniz para imprimir uma linguagem visual às suas páginas foi o Museu Afro Brasil, de São Paulo. Seu trabalho resultou em um livro cujo traço é bem característico – fortemente influenciado pela xilogravura e pelo que se convencionou chamar genericamente de arte africana – e dá ênfase à estética de regiões como o Congo. Mas, apesar do visual inovador, os pontos mais fortes de O Quilombo Orum Aiê são o roteiro e a criação dos personagens, que o diferenciam dos quadrinhos educativos sobre a História do Brasil. Vários livros inspiraram o autor na criação do argumento da obra, como Antologia do negro brasileiro, de Edison Carneiro (1950); Memórias do cativeiro, de Ana Lugão Rios e Hebe Mattos (2005); Bantos, malês e identidade negra, de Nei Lopes (1988).(...)

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