Ñandeva ekuéry. “Todos os que somos nós”. É assim que os guarani mbya se reconhecem coletivamente. Sua identidade é marcada pelo uso atual ou antepassado de tambeao (um tipo de veste de algodão), por seus hábitos alimentares e sua língua. Ser mbya é principalmente falar mbya. Estima-se que haja cerca de 7 mil falantes desta variação do guarani no país habitando comunidades na faixa litorânea que se estende do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. No final do ano passado, o mbya foi reconhecido pelo Iphan como Referência Cultural Brasileira, junto com o talian (idioma de imigração falada no sul) e o asurini do trocará (oriundo de povos às margens do rio Tocantins). Estas são as primeiras línguas inscritas no Inventário Nacional da Diversidade Linguística.
Giovana Pereira, funcionária do Departamento do Patrimônio Imaterial do Iphan, diz que a intenção do Inventário é “entender o Brasil como um país multilíngue”, ajudando a dar visibilidade a algumas culturas, para evitar que desapareçam com o tempo. A historiadora acrescenta que a ideia “também é mapear, conhecer as demandas, ver que tipo de ações podem ser realizadas nessas comunidades” – incluindo apoio financeiro a alguns projetos, embora isso ainda não tenha sido colocado no papel.
O Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Política Linguística (Ipol) realizou o inventário do mbya em 69 comunidades guaranis e atualmente trabalha para fazer o mesmo com o hunsruckisch, língua alemã presente há quase 200 anos no Brasil. Rosangela Morello, uma das coordenadoras do trabalho, diz que no país não há informações consistentes sobre a variabilidade linguística, principalmente no que diz respeito a línguas indígenas. Daí a importância de se incentivar a realização de mapeamentos que seriam “pesquisas sobre a vitalidade da língua, considerando população, funções, usos e transmissão, além das relações históricas e culturais”. A pesquisadora alerta para a imprecisão do Censo 2010, que detectou a existência de 274 línguas indígenas: “Para 2020, o método tem que ser revisto. O questionário só considera se a pessoa se declara de determinada nacionalidade”, e isso não daria a dimensão dos falantes de diversas línguas que se consideram brasileiros, como é o caso dos dialetos de imigração.
Nedi Terezinha Locatelli , além de conselheira titular do Colegiado Setorial de Patrimônio Imaterial do Conselho Nacional de Política Cultural, é falante de talian (uma variante do vêneto). Para ela, as línguas de imigração são as que correm mais risco de desaparecer. A maioria figura apenas no vocabulário cotidiano dos mais velhos (os nonnos e nonnas). “A cultura taliana – e a de outros grupos – se mantém quase exclusivamente com recursos próprios. O reconhecimento precisa reverter em consciência, valorização e salvaguarda da cultura”, defende.
Para que uma língua entre no Inventário, é preciso que ela seja falada há pelo menos 75 anos em território nacional e que tenha sido foco de um estudo de mapeamento realizado por uma instituição de pesquisa, em colaboração com a comunidade.
Brasil de todas as línguas
Alice Melo