Em 2012, terminava minha tese de doutorado sobre o papel da classe política brasileira na queda do regime militar. Um dia, enquanto lia transcrições de discursos de deputados no Diário do Congresso Nacional, pensei: “Por que estou usando somente fontes escritas para construir minha narrativa? Os deputados falavam ao microfone; será que seus discursos foram gravados?”. Mandei um email ao arquivo da Câmara dos Deputados. Em poucos dias, chegou a resposta: As sessões da Câmara, desde os anos 1960, não só foram gravadas e preservadas, mas também digitalizadas e colocadas na internet (http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/).
Nessas gravações, a história toma vida na forma de gritos, risos e choros. Podemos ouvir a raiva dos deputados em 1968 quando foi morto o estudante Edson Luís, e a briga que tumultuou o plenário quando um deputado governista acusou os oposicionistas de serem comunistas por apoiarem o movimento estudantil. Escutamos o orgulho dos “autênticos” da oposição em 1974 quando devolveram seu voto ao povo brasileiro na “antieleição” que consagrou Ernesto Geisel presidente. Revivemos a decepção de outros em 1984, quando foi derrotada a emenda que teria reestabelecido as eleições diretas.
As fontes audiovisuais podem resolver alguns dos maiores problemas que afligem o historiador. As escritas não são sempre confiáveis, porque pode existir um fosso entre o que realmente foi dito e o que foi escrito depois. Já a história oral, com entrevistas com gente que viveu o episódio em questão, tem como empecilho o fato de que a memória nunca é perfeita, além de as entrevistas serem influenciadas pelos interesses dos entrevistados. Por outro lado, uma gravação nos dá acesso às exatas palavras pronunciadas que, no caso das gravações da Câmara, podem variar em face da transcrição. As gravações revelam coisas que raramente aparecem em fontes escritas, mas fazem parte integral da comunicação – entoação, pausas, sotaques, interrupções.
Então, as fontes audiovisuais oferecem uma janela clara para ver o passado, e valem mais que outras fontes? Não acho. Problemas técnicos são capazes de criar uma gravação ininteligível. Ao longo dos anos, a qualidade das fitas pode deteriorar. O orador não é sempre identificado. Às vezes algum trecho controverso pode ser editado, ou sequer gravado. Na sessão de 12 de dezembro de 1968, dia em que a Câmara se recusou a conceder a licença para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por ter ofendido as Forças Armadas, quando o deputado chega ao microfone para se defender, escutamos, “Senhor presidente, senhores deputados...”, e silêncio... Temendo que o discurso ofendesse os militares, alguém parece ter mandado parar a gravação. As fontes audiovisuais são uma janela para ver o passado, mas como qualquer outra fonte esta janela pode estar suja ou quebrada.
Afinal de contas, este é o trabalho do historiador; não só achar novas fontes, mas também identificar os preconceitos, os interesses e os silêncios que condicionam a sua interpretação. Assim, espera-se entender melhor o passado e o presente.
Bryan Pittsé professor da Duke University (Carolina do Norte, EUA).