Creuza Prumkwyj Krahô esteve no início de maio no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, junto com outros quatro representantes de sua etnia. Vieram de diferentes aldeias, todas da Terra Indígena Krahô, nordeste do estado do Tocantins, na Amazônia Legal, para contribuir com o Projeto de Documentação de Sonoridades “Memória através dos cantos” – desenvolvido desde 2011 para o registro e a análise de oralidades indígenas (cantos, relatos, narrativas).
Aos 44 anos, Creuza é a mais articulada dos cinco no diálogo com os brancos, pois está na vida acadêmica: é professora e pesquisadora, acaba de ser aprovada em curso de especialização em Educação na Universidade Federal de Goiás, onde se dedica à construção (e desconstrução) de Projetos Político-Pedagógicos para escolas de aldeias indígenas. Para ela, o projeto “é uma oportunidade para quem quer conhecer a cultura indígena e valorizar mais, saber que ainda existe esse ‘povo índio’ que o branco fala, né? Porque no Brasil inteiro tem índio”.Dois dos krahôs que vieram ao Rio nunca haviam saído da aldeia, quanto mais andado de avião ou visto o mar. No Museu do Índio, eles foram apresentados a objetos e registros sonoros e audiovisuais de seus antepassados. Sua tarefa foi identificar e traduzir os materiais. Sob a coordenação de Veronica Aldé, do Instituto do Trópico Subúmido da PUC de Goiás, o grupo avaliou cerca de 50 objetos do museu, fotografias antigas, registros musicais e documentários. “Antes deste programa ser oficializado, em 2013, com o apoio da Unesco, existiam outras iniciativas de documentação de culturas e línguas, mas nenhuma voltada à sonoridade, à música. Fomos descobrindo a centralidade que a música tem para essas culturas”, afirma Veronica, que trabalha com os krahôs desde 2005. Especialista em indigenismo e desenvolvimento sustentável, ela explica que o canto faz parte de todas as ações dos krahôs, para quem a música tem um caráter religioso. Outras cinco etnias fazem parte dessa iniciativa: Tikmu’un/Maxakali (MG), Guarani-Kaiowá (MS), Guarani-Mbyá (RS), EnaweneNawe (MT) e Baniwa (AM).
O mehkoré (ancião) Getúlio Krwakraj Krahô emocionou-se ao ver, no Museu do Índio, uma fotografia de seu avô na década de 40, outra de sua mãe há quarenta anos e outro dele próprio nos anos 1990. Getúlio atua em favor dos direitos dos povos indígenas desde os anos 70, quando tirou sua primeira carteira de identidade para “poder defender e aprender os caminhos” necessários à coexistência tolerante de reservas e fazendas.Todo apoio neste sentido é crucial. “As línguas indígenas estão em processo de desaparecimento. Nos últimos dois anos, perdemos duas: a Apiaká e a Umutina. Por isso documentar esses idiomas é tão urgente”, destaca José Carlos Levinho, diretor do Museu do Índio. O mehkoré Getúlio concorda: “Com os documentos registrados, não se perde nunca. Dou minha voz, eu posso morrer, mas tá registrado. Pro povo poder se entender”.
Canto do povo de um lugar
Angélica Fontella