Cândido Rondon parece ter nascido pronto para ser o personagem principal de um romance de aventura.
Ao invés de se acomodar à paz dos gabinetes ou às delícias que ofereciam as grandes metrópoles, ele se atira sertão adentro sem conhecer o significado da palavra sacrifício. Planta postes e bandeiras, espalha fios, fotografa a selva, refina a geografia das fronteiras e se aproxima dos nativos com toda sua bondade. Com tantos predicados, difícil seria que ele não entrasse para a História, e com o peito recheado de medalhas recebidas por bravura.
No dossiê deste número a Revista de História convida o leitor a visitar o Marechal em seu repouso. Os artigos expandem as noções tradicionais que cercam Rondon, suas iniciativas e o mito que se fixou. Face pouco conhecida, as expedições que promoveu alimentaram a inquietação dos cientistas diante das caixas com estranhos objetos que chegavam dos sertões, deixando recheados museus e laboratórios. A difusão das imagens produzidas pelas expedições flagra o triunfo da civilização na selva domada. Do exterior, a curiosidade, a diplomacia e a sedução da vida na fronteira atraem o presidente norte-americano Roosevelt que, depois de matar onça e posar de aventureiro, é derrubado pelas doenças tropicais e volta abalado para o norte.
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Quase sinônimos, Rondon e a política indigenista também ganham aqui novos contornos pela força do positivismo aprendido nos bancos escolares. Tal concepção moveu o sujeito que pretendeu ordenar os índios na escalada rumo à civilização. E, como se lerá, até hoje influencia nossa percepção a respeito deles.
Que a algaravia dos historiadores e cientistas sociais não vai acordar o Marechal, isto é certo. Mas os ruídos podem afastar sombras que atrapalham nossos melhores sonhos.
Carta do Editor - Nº 11
Luciano Figueiredo