Carta do Editor - Nº 36

Luciano Figueiredo

  • Entra em cena um desfile de ídolos para todos os gostos: Machado de Assis e Clara Nunes, Zumbi e Zé do Caixão, Araribóia e Abdias do Nascimento. Samba do crioulo doido? Longe disso. É impossível imitar Stanislaw Ponte Preta. Mas a Revista de História da Biblioteca Nacional está povoada de pessoas fundamentais perdidas no grande baú de memórias.

    Como a filha do violeiro Mané Serrador, embalada desde cedo na folia de reis, que se transforma em ídolo nacional cantando ritmos garimpados nas raízes de nossa música. Clara Nunes, segundo Silvia Brügger, fez ainda mais: reivindicou a mestiçagem sem deixar de combater as desigualdades. Abdias do Nascimento é outra figura destacada nesta edição. Verena Alberti e Amilcar Pereira mostram a coragem de Abdias quando ele encara a fúria dos generais, estreita o diálogo com a luta dos africanos contra o apartheid e declama versos de “Poemas de Angola” para acelerar as conquistas do movimento negro.

    Renilson Ribeiro passa a peneira na galeria de heróis dos livros didáticos, sinalizando mudanças no ensino atual, que vem trocando os ícones pelas ações coletivas. Entre eles poderia estar Araribóia, o índio que Maria Regina de Almeida convoca, desta vez motivo de orgulho para seus descendentes.

    Não escapou nem o popular Zé do Caixão, que assombra as salas escuras há décadas. Filipe Monteiro evoca a originalidade da produção nacional de filmes de terror, a despeito da resistência dos eruditos. Depois de ler a matéria, corra para uma sala de cinema com a revista debaixo do braço.

    E Machado de Assis, claro, está presente no dossiê de um modo bem original, apresentado por estudiosos que apreciam e conhecem o “Bruxo” muito além das celebrações.

    São figuras assim que, no vai-e-vem da memória, forjam o passado feito de carne e osso. Sem a vontade nascida de figuras humanas, a História não fica só incompleta, mas também muito sem graça.