Carta do Editor - Nº 4

Luciano Figueiredo

  • Crianças inspiram um dos sentimentos mais dilacerantes que qualquer um de nós hoje carrega, divididos entre as imagens de ternura familiar e
    as cenas de abandono e miséria das ruas.

    As páginas dedicadas à “Velha Infância” da sua Revista de História revelam traços marcantes do sentimento de infância no Brasil. Ora são dramáticos, como o abandono de recém-nascidos ou o costume de se usar nas fábricas máquinas ajustadas para mãos miúdas, ora inquietantes, como as tradições culturais desencontradas que acabam se cruzando na história de nossas brincadeiras ou o nascimento da literatura infantil, que aos poucos sacode as marcas da tradição européia e semeia uma consciência crítica.

    Essa infância é um jogo de espelhos em que se refletiam a desigualdade e as hierarquias que se desejava estabelecer. As inocentes brincadeiras que humilhavam os despossuídos, o desaparecimento das amas de leite negras dos retratos tão logo permitem os avanços da técnica fotográfica, o silêncio da presença de afro-descendentes nas boas escolas do Império, a sordidez dos empresários que defendem o trabalho infantil, ou aindas as razões que cercavam as mães que abandonavam seus filhos.

    Não é a apenas a semelhança com o presente que deve nos intrigar, mas a percepção de que nas origens de nossa formação habita um passado esquecido, silenciado, escondido por vezes em modelos de infância feliz e cercada de alegrias e promessas do futuro. Nessa infância da nação reside a adoção de formas brutais de exclusão que impregnaram o tecido social e cresceram conosco. Por isso o tema sugere uma incômoda perenidade: a velha infância, tão presente.

    Ao virar esta página o leitor encontrará uma novidade, a “A imagem da capa”, que a Revista de História da Biblioteca Nacional inaugura a partir deste número, com comentários sobre a importância e as características da ilustração escolhida para representar a edição.