Carta do Editor - Nº 41

Luciano Figueiredo

  • “Sabemos que a realidade sempre nos escapará, sempre será mais rica do que podemos imaginar”.

    A frase singela, quase romântica, vazou na entrevista que fizemos com Giovanni Levi, historiador italiano que visitou recentemente o Brasil. Parece querer nos lembrar que há no mundo um déficit de imaginação impedindo que se traduza tanta realidade.

    Mas, além da entrevista publicada adiante, este número oferece outras fantasias. Como a tradição popular dos ex-votos, que vêm abarrotando salas de milagres pelo país. Enfeitado com belíssimas imagens que ilustram os artigos do dossiê, um grupo dedicado de estudiosos compõe um mosaico fascinante para se entender a origem, os desafios dessa crença e a trabalheira incansável que os santos católicos vêm tendo ao longo dos séculos.

    Longe desse tipo de fé, outra entidade resolveu aparecer, mais temível e maléfica. O lobisomem, tratado no artigo de Mark Harris, baixa na Amazônia, figurando em um chefe de aldeia que atraía inimizades enquanto governava índios na época colonial.

    No cenário das cidades modernas, personagens extraordinários continuaram a despejar boas doses de sonho sobre a realidade. E pagaram por isso o preço alto da incompreensão. Não foi outra coisa que viveu Wilson Batista, sambista original e desafiador - que nos é apresentado por Valdemar Valente Júnior -, exercendo a plena malandragem sob o império do trabalho. Até mesmo o poeta Guilherme de Almeida, sinônimo de tradicionalismo elitista, quem diria, adverte Maria Helena de Queiroz, sonhou novas fórmulas poéticas.

    E que outra coisa faziam, senão aprender e imaginar novos mundos, os espectadores dos encontros de massa, mostrados no artigo de Karoline Carula, que aconteciam no Rio de Janeiro em fins do século XIX?

    Tudo isso parece confirmar que a frase do historiador italiano é uma daquelas raras provocações que vale a pena aceitar.