Não é raro a condição humana ficar à margem da história, perdida entre eventos memoráveis e grandes mudanças do tempo, que parecem tudo explicar.
A celebração do centenário da morte de Euclides da Cunha não poderia insistir neste caminho. Por isso o dossiê dedicado ao escritor oferece cenas em que desfilam sucesso, angústia, coragem e drama, desenhando uma sinuosa trajetória pessoal. Além, claro, de um supremo talento literário, que culmina em Os sertões.
Os artigos reencontram Euclides diante de sua preparação civil e literária. No Exército, um impulsivo cadete que joga sua arma no chão diante do ministro da Guerra, em protesto contra a Monarquia. Na estadia forçada em Salvador, um inquieto investigador que parte em busca de munição para conhecer a região e seuss habitantes, e assim se preparar para o que encontraria pela frente em Canudos. Na passagem pela Amazônia, um perplexo pensador diante das surpresas de um outro Brasil. Sobretudo, um Euclides humano, em que podem até mesmo conviver o extremo rigor científico e aparições fantasmagóricas de sua falecida mãe.
Também sua própria letra, rabiscos e correções, no manuscrito inédito recentemente localizado em uma biblioteca norteamericana.
Abreviada a vida de modo trágico, Euclides da Cunha seria sempre celebrado, graças a uma intensa mobilização de intelectuais e associações civis para que nunca fosse esquecido. E assim aquele homem de carne e osso se tornou quase um monumento no imaginário nacional.
Contada pelo viés humano, a história sempre ganha cores vivas. Mesmo que seja em sombras projetadas no chão, como as que criou um fotógrafo letão reinventando o frevo de Recife. Ou na agitada vida do padre brasileiro que inventa uma máquina voadora e acaba perseguido pela Inquisicão. Ou no esquecido escritor João de Minas, de que político virou pornógrafo, e de pornógrafo virou profeta. De humanos e imortais todos temos um pouco.
Carta do Editor - Nº 47
Luciano Figueiredo