Algumas palavras, assim como certos fatos históricos, às vezes assumem, imperceptivelmente, grande familiaridade entre nós. Mas nem sempre ocorre o mesmo com seus significados. Aqueles que apreciam história já perceberam o esvaziamento que sofrem os acontecimentos e as experiências, remotos no tempo, perdidos cada vez mais na memória. A Revista de História deste mês encara um grande desafio, disfarçado na aparente simplicidade de suas poucas sílabas, nas comemorações do próximo dia 15, nos painéis de cores vivas ou na objetividade com que é apresentada nos manuais escolares: a república.
Ela foi, e ainda é, muito mais que a forma de governo oficial do país. Experiência universal, a república seguiu no Brasil rumos que não se reduzem à cena da Proclamação, aos seus marcos constitucionais, seus presidentes. Por isso, os estudiosos que se alinham nas páginas do dossiê “Que República é esta?” trazem perspectivas originais e decerto surpreendentes. Esticam a idéia republicana no tempo e o surgimento de suas definições essenciais: o primado do bem comum sobre os vícios individuais, da liberdade sobre a opressão e da participação política ativa. Que o leitor não estranhe, portanto, quando se fala de república sob as monarquias, já que não se excluíam. Exceto quando, desde a época colonial, a idéia assumia a potência de ação. Nos quatro séculos de nossa formação, o projeto foi condenado pelos monarcas e compreendido de maneira diversa conforme a situação das regiões. Sua implantação em 1889 foi matéria de incerteza. Mas as lições dos primeiros anos, entre forte instabilidade, marcariam para sempre: a
força do interesse dos estados, a exclusão dos grupos populares da participação política e a crise econômica.Como se verá nas páginas seguintes, algumas experiências políticas e civis universais não precisam de fronteiras, reduzidas à história de um país. Os editores e autores deste número não exercitam apenas um ofício profissional, ainda que suspeitemos todos que perseguir as utopias é o esporte predileto dos historiadores.
Luciano Figueiredo
Carta do Editor - Nº 5
Luciano Figueiredo