Carta do Editor - Nº 6

Luciano Figueiredo

  • Os caprichos do calendário oficial, ao fabricar o fim do ano neste mês, criam uma inquietante sensação coletiva de conclusão e recomeço. Talvez seja isto o que torne esta a melhor ocasião para se celebrar,  emocionar e acreditar. Comandadas por esse tempo festivo, muitas formas de fé despontam e ganham visibilidade.

    A Revista de História não desperdiçou esse momento e, na matéria de capa, agrega um registro surpreendente sobre experiências religiosas que nasceram no Brasil graças à presença dos africanos. Em África reinventada o leitor está convidado a conhecer o Ilê Iya Nassô, a sacerdotiza Nicácia, a calunduzeira Luzia Pinta. E a presenciar a constituição dos calundus na época colonial, a criação dos terreiros na Bahia e as perseguições movidas na Corte do Rio de Janeiro ao poderoso curandeiro Juca Rosa e aos objetos de culto ao longo do século XX. Estará também ao lado dos voduns cujo culto marcou a religiosidade na Bahia e Maranhão.

    Se esse território de nomes e crenças parece estranho, está aí a prova de que esta revista traz em suas páginas uma história que, longe de estar evocada ocasionalmente nas festas de fim de ano, deve estar em evidência todos os dias.

  • Outra forma de crença, não a da fé religiosa, mas a do compromisso civil com a justiça, ajuda a desenhar o mapa deste número: está presente no empenho da escritora Nísia Floresta, que defendeu melhor formação para as mulheres quando estas eram criadas para servir aos homens, e ainda na atuação de Luiz Carlos Prestes, que ao lado de um grupo de tenentes  atravessou o Brasil e conheceu a fundo um país que desde então ajudaria a transformar.

    Certas travessias são intermináveis. Desde que o Atlântico começou a ser via de passagem de culturas, homens, mulheres e gêneros da natureza, suas margens voltam a se encontrar permanentemente.

    E por que não podemos, nas festas de fim de ano, nos encontrar com esta história tão pouco conhecida?